Revisão criminal: quando cabe, como pedir e estratégias de atuação

Saiba quando cabe a revisão criminal, como solicitar e as melhores estratégias para atuar na defesa de clientes condenados injustamente.

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O trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória representa, em tese, o fim da discussão sobre um fato criminoso.  A partir dele, a decisão se torna imutável, e o Estado obtém o seu direito de punir. 

Porém, o sistema jurídico é formado por pessoas e, por isso, a própria doutrina reconhece a falibilidade humana. Ou seja, a possibilidade de erros judiciários. 

E é pensando nas decisões passíveis de falha, que foi instituída a revisão criminal. Seu objetivo é desconstituir uma sentença condenatória definitiva, seja para absolver o réu, seja para ajustar a pena aplicada. 

Trata-se de uma ferramenta de uso exclusivo da defesa (pro reo), que materializa a prevalência da justiça sobre a segurança jurídica da coisa julgada. 

Contudo, é importante destacar: a revisão criminal não é um recurso, e sim uma ação autônoma de impugnação. 

O que é revisão criminal

A revisão criminal é uma ação penal de natureza constitutiva e rescisória. Sua função é reexaminar um processo já encerrado, com sentença condenatória transitada em julgado, quando surgem elementos que evidenciem um erro judiciário.

Diferente dos recursos tradicionais, como a apelação, a revisão não se submete a prazos preclusivos e pode ser proposta a qualquer tempo após o fim do processo. 

Apesar disso, ela não serve para uma nova discussão sobre as mesmas provas já analisadas. 

Seu propósito é corrigir uma condenação que se revela injusta, à luz de novos fatos ou da correta aplicação da lei.

A revisão criminal é admitida no Artigo 621 do Código de Processo Penal (CPP). É ele que estabelece as hipóteses de cabimento e deixa claro seu caráter excepcional. 

Art. 621.A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”

Em resumo, a revisão criminal é considerada a última alternativa para a busca da justiça no âmbito penal. 

Ela é o mecanismo que permite ao Judiciário reconhecer e corrigir seus próprios equívocos, garantindo que a liberdade e a dignidade de um indivíduo não sejam sacrificadas por uma decisão equivocada.

Revisão criminal: requisitos

O sucesso de uma ação de revisão criminal depende do enquadramento do caso em pelo menos uma das três prerrogativas previstas no Artigo 621 do CPP. 

Isso significa que a mera insatisfação com o resultado do processo não é suficiente. É preciso demonstrar, de forma inequívoca, a ocorrência de um erro fundamental.

Para entender melhor, vamos analisar cada um dos incisos do já abordado Artigo 621:

I – Quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.

Trata-se de uma prerrogativa que se desdobra em duas situações distintas: a primeira é a contrariedade ao “texto expresso da lei penal”. 

O que ocorre quando o juiz ignora uma norma legal clara; aplica um tipo penal de forma errada; erra na dosimetria da pena ao desrespeitar os critérios legais ou deixa de aplicar um benefício a que o réu tinha direito.

Nesse caso, o erro é de direito, chamado também de error in judicando.

A segunda situação é a condenação contrária à “evidência dos autos”. Neste caso, ao invés de um erro de direito, temos um erro de fato. 

Ou seja, a decisão do magistrado ignora um conjunto de provas robustas e claras que apontavam para a inocência do réu e que já constavam no processo original. 

Assim, a análise deve mostrar que a condenação foi uma distorção da realidade fática provada nos autos, sem a necessidade de produção de novas provas.

II – Quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.

Nesta prerrogativa, o vício está na prova que sustentou a condenação. Para que a revisão seja cabível com base neste inciso, deve ser comprovada a falsidade de um depoimento; do laudo pericial; ou até mesmo de um documento.

Comprovação que, em geral, ocorre por meio de decisão judicial em outro processo. Por exemplo, a testemunha que deu o depoimento chave foi condenada por falso testemunho, ou o perito condenado por falsa perícia. 

Assim, a prova da falsidade não só é considerada robusta como também fora declarada em juízo, não restando dúvidas sobre a contaminação da decisão original.

III – Quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Trata-se da prerrogativa mais comum na prática forense. Ela se refere a elementos de prova que não existiam ou não eram conhecidos durante a instrução do processo original. 

A prova não é apenas aquela que não foi juntada, mas aquela que era impossível de ser produzida na época.

Exemplos clássicos incluem o surgimento de uma nova testemunha que presenciou o fato e isenta o réu; a confissão do verdadeiro autor do crime; a descoberta de um documento que comprova um álibi; ou até mesmo um exame de DNA que refuta a autoria. 

Esta “nova prova” também pode se referir a uma circunstância que impacte a pena, como a descoberta de que o réu agiu sob coação ou que era menor de 21 anos na data do fato.

Prazo para revisão criminal

A revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo. Ou seja, não há prazo para o ajuizamento da ação. Seja ele decadencial ou prescricional. 

Essa perpetuidade se justifica pelo fato de estarem em jogo dois bens jurídicos fundamentais: a liberdade e a justiça. 

Ou seja, o Estado não pode se conformar ou se furtar de corrigir um erro judiciário em função da passagem do tempo.  

O direito de um indivíduo de provar sua inocência e de ter sua dignidade restaurada prevalece sobre a estabilidade da coisa julgada.

Aliás, a ação pode ser ajuizada mesmo após o cumprimento da pena. E nesse caso, o objetivo é afastar os efeitos secundários da condenação, como a reincidência e a anotação nos registros criminais. Além de possibilitar o pedido de indenização por erro judiciário.

A revisão criminal também pode ser proposta após a morte do condenado, legitimando o cônjuge, herdeiro ascendente, descendente ou irmão a requerer a revisão. 

O que se dá com o objetivo de alcançar uma reabilitação póstuma através da limpeza do nome e da memória da pessoa falecida.

Ação de revisão criminal

São dois os preceitos básicos a serem analisados antes da propositura de uma revisão criminal: a competência e a legitimidade. 

  • Competência: a ação deve ser ajuizada diretamente no tribunal competente para julgar um recurso de apelação contra a decisão. Em geral, são os Tribunais de Justiça (TJ) ou os Tribunais Regionais Federais (TRF). Se a condenação foi proferida em única instância por um desses tribunais, a competência é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se a condenação originária for do STJ, a revisão será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
  • Legitimidade: podem propor a ação o próprio réu, por meio de seu advogado, ou, como já vimos, em caso de falecimento, cônjuge, herdeiro ascendente, descendente ou irmão.

Procedimento e Estratégias para a revisão criminal

  • Instrução robusta: a petição inicial deve ser instruída com a certidão de trânsito em julgado da sentença condenatória, cópias integrais do processo original e, de forma destacada, as provas que fundamentam o pedido de revisão. 
  • Ônus da prova: o ônus de provar o erro judiciário é total do autor da revisão. O tribunal não fará uma nova instrução processual ampla. O advogado deve entregar o caso “pronto”, com as provas novas devidamente produzidas e documentadas, como declarações de novas testemunhas registradas em cartório ou laudos periciais particulares.
  • Pedido liminar: a revisão criminal, por si só, não suspende a execução da pena. O condenado continua preso enquanto a ação tramita. Por isso, é possível formular um pedido de medida liminar na própria revisão ou, de forma paralela, impetrar um Habeas Corpus perante o tribunal. O objetivo é pedir a suspensão da execução da pena ou a concessão da liberdade provisória até o julgamento do mérito, com base na plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e no perigo da demora (periculum in mora).
  • Foco na argumentação: a petição não deve ser uma repetição dos argumentos da apelação. O foco deve estar nas prerrogativas do Artigo 621 do CPP. É preciso demonstrar qual foi o erro de direito, qual prova foi comprovada como falsa ou, o mais importante, qual é a nova prova e por que ela é capaz de alterar o resultado do julgamento.
  • Indenização: o tribunal, se julgar procedente a revisão, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. Mas é importante que este pedido conste de forma expressa na petição inicial. A posterior liquidação do valor ocorrerá no juízo cível.

Modelo de revisão criminal

Apesar de uma revisão criminal possuir pontos bastante singulares, é possível criar uma estrutura básica de petição para ser seguida e adaptada: 


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE [NOME DO ESTADO]

[NOME COMPLETO DO REQUERENTE], [nacionalidade], [estado civil], [profissão], portador da cédula de identidade RG nº [número] e inscrito no CPF sob o nº [número], atualmente recolhido no [nome do presídio], por seu advogado que esta subscreve (procuração anexa), com escritório profissional no endereço [endereço completo], vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 621, inciso [indicar o inciso], do Código de Processo Penal, propor a presente

AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL

em face da r. sentença condenatória proferida pelo Juízo da [número]ª Vara Criminal da Comarca de [cidade], nos autos do Processo-crime nº [número], pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

I – DA SÍNTESE DO PROCESSO ORIGINÁRIO

(Neste tópico, descrever de forma sucinta o andamento do processo original: a acusação, as principais provas produzidas, a sentença condenatória, a pena aplicada e a data do trânsito em julgado. Juntar cópia da sentença e da certidão de trânsito em julgado).

II – DO CABIMENTO E DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

(Demonstrar que a ação preenche os requisitos formais, como a existência de sentença condenatória com trânsito em julgado, e apontar em qual das hipóteses do artigo 621 do CPP o pedido se fundamenta).

III – DAS RAZÕES DA REVISÃO (DO ERRO JUDICIÁRIO)

(Este é o coração da peça. Expor de forma detalhada o fundamento do pedido. Se for o inciso I, apontar a contrariedade à lei ou à evidência dos autos. Se for o inciso II, juntar a prova da falsidade do depoimento ou documento. Se for o inciso III, apresentar a prova nova, explicar por que ela é “nova” e como ela comprova a inocência ou a circunstância que atenua a pena).

IV – (OPCIONAL) DO PEDIDO LIMINAR

(Se for o caso, fundamentar o pedido de concessão de medida liminar para suspender a execução da pena ou expedir alvará de soltura, demonstrando a plausibilidade do direito e o perigo na demora).

V – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer:

a) O recebimento e o processamento da presente Ação de Revisão Criminal;
b) A concessão da medida liminar para [especificar o pedido liminar], com a expedição do competente alvará de soltura;
c) No mérito, a procedência da ação para desconstituir a r. sentença condenatória, e, em novo julgamento, absolver o requerente, com fundamento no artigo 386, inciso [indicar o inciso], do Código de Processo Penal;
d) Subsidiariamente, caso não seja o entendimento pela absolvição, que a pena seja reduzida para [especificar a nova pena ou regime];
e) O reconhecimento do direito à justa indenização pelos prejuízos sofridos, nos termos do artigo 630 do CPP;
f) A comunicação ao juízo de origem e ao Instituto de Identificação para as devidas anotações e retificações.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial os documentos que acompanham a presente inicial.

Dá-se à causa o valor de R$ [valor simbólico].

Nestes termos,
Pede deferimento.

[Local], [data].

[Nome do Advogado]

[OAB/UF nº]


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