O acesso à justiça é considerado um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Contudo, os custos inerentes a um processo judicial representam um obstáculo para muitos cidadãos.
É nesse contexto que se pode recorrer à declaração de hipossuficiência: um instrumento jurídico que permite que indivíduos, inclusive pessoas jurídicas, busquem a tutela jurisdicional sem o ônus financeiro imediato das custas e despesas processuais.
Por isso, neste artigo, vamos abordar o conceito da declaração; sua finalidade; além dos passos para sua elaboração. Mas, como é de costume, no final, temos um modelo prático para ser adaptado às necessidades de diferentes casos.
O que é declaração de hipossuficiência
A declaração de hipossuficiência, popularmente conhecida como “declaração de pobreza”, é um documento formal.
Nele, uma pessoa física, ou jurídica, afirma não possuir condições financeiras para arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios sem prejuízo do seu sustento próprio ou de sua família.
Porém, tal afirmação é feita sob as penas da lei, o que confere responsabilidade ao declarante.
Sua principal base legal está na Constituição Federal, mais precisamente no Artigo 5º, inciso LXXIV:
LXXIV. “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”
O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 detalha o procedimento e os efeitos da gratuidade da justiça, nos artigos 98 a 102:
Art. 98. “A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.”
Importante: a declaração de hipossuficiência, por si só, dispõe de presunção relativa de veracidade quando firmada por pessoa natural. É o que diz o §3º do Artigo 99 do CPC:
Art. 99, § 3º. “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
Isso significa que, a princípio, a palavra do declarante é suficiente para a concessão do benefício. Porém, o juiz pode indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade.
O §2º do artigo 99 do CPC orienta:
Art. 99, § 2º. “O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.”
Nestes casos, antes de indeferir, o magistrado deve determinar que a parte comprove o preenchimento dos referidos pressupostos.
Declaração de hipossuficiência para Pessoa Jurídica
Para pessoas jurídicas, a concessão da gratuidade não se baseia na simples declaração. A jurisprudência, consolidada na Súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), exige a comprovação da impossibilidade de arcar com os encargos processuais.
Súmula 481/STJ. “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.”
Ou seja, a pessoa jurídica precisa demonstrar, por meio de documentos contábeis ou financeiros, sua situação financeira precária.
A hipossuficiência não se confunde com miséria absoluta. O conceito abrange a situação daquele que, embora possua alguma renda ou patrimônio, não consegue suportar os custos de um processo sem comprometer suas necessidades básicas ou as de sua família.
A análise é casuística e leva em consideração o padrão de vida e as despesas essenciais do requerente.
Para que serve a declaração de hipossuficiência
A principal finalidade da declaração de hipossuficiência é viabilizar o pedido de gratuidade da justiça. Uma vez deferido o benefício, o requerente fica isento, total ou parcialmente, do pagamento de diversas despesas processuais.
O artigo 98, §1º, do CPC é responsável por elencar essas verbas:
§ 1º. “A gratuidade da justiça compreende:
I – as taxas ou as custas judiciais;
II – os selos postais;
III – as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e os do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.”
A gratuidade pode ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou ainda consistir na redução percentual de despesas que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
Além disso, pode também ser concedido o parcelamento dessas despesas, conforme os parágrafos 5º e 6º do artigo 98 do CPC:
Art. 98, § 5º. “A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.”
Art. 98, § 6º. “Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.”
Sem a possibilidade de requerer a gratuidade, muitas pessoas seriam impedidas de buscar seus direitos no Judiciário.
A declaração, portanto, é uma ferramenta de inclusão social e de efetivação do princípio constitucional do acesso à justiça. Ela permite que a condição financeira não seja um impeditivo para a busca da prestação jurisdicional.
O benefício pode ser requerido em qualquer fase do processo, tanto pelo autor na petição inicial, quanto pelo réu na contestação, ou mesmo em grau de recurso.
Se a situação de insuficiência de recursos surgir no curso da demanda, a parte pode solicitar a gratuidade, desde que comprove a alteração de sua condição financeira.
Uma declaração falsa, contudo, pode levar à revogação do benefício e ao pagamento do décuplo das custas judiciais, conforme o parágrafo único do Artigo 100 do CPC:
Art. 100. (…)
“Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.”
Além disso, o declarante pode ser responsabilizado por crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal:
Art. 299. “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.”
Como fazer uma declaração de hipossuficiência
A elaboração de uma declaração de hipossuficiência é relativamente simples, mas requer atenção a alguns elementos essenciais para sua validade e eficácia.
Os passos e informações que devem constar na declaração são:
Título: “Declaração de Hipossuficiência” ou “Declaração de Pobreza”.
Qualificação completa do declarante:
- Nome completo.
- Nacionalidade.
- Estado civil.
- Profissão.
- Número do RG (Registro Geral) e órgão expedidor.
- Número do CPF (Cadastro de Pessoas Físicas).
- Endereço residencial completo (rua, número, complemento, bairro, cidade, estado, CEP).
Declaração de insuficiência de recursos:
- É a parte central do documento. O declarante deve afirmar, de forma clara e inequívoca, que não possui condições financeiras de arcar com as custos, despesas processuais e eventuais honorários advocatícios sem prejuízo do seu próprio sustento e/ou de sua família.
- Pode-se mencionar, de forma genérica, que os rendimentos auferidos são destinados integralmente às despesas básicas.
Fundamentação legal (opcional, mas recomendável):
- É comum citar os dispositivos legais que amparam o pedido, como o Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, e os artigos. 98 e 99 do Código de Processo Civil.
Declaração de veracidade sob as penas da lei:
- O declarante deve afirmar que as informações prestadas são verdadeiras, assumindo total responsabilidade por elas, sob as penas da lei civil e criminal. Este é um ponto crucial para a seriedade do documento.
Pedido (implícito ou explícito):
- Embora a declaração em si seja uma afirmação, ela serve de base para o pedido de gratuidade da justiça, que será formalizado na petição correspondente (inicial, contestação, recurso).
Local e data:
- Cidade e data em que a declaração foi firmada.
Assinatura do declarante:
- A assinatura deve ser igual à do documento de identidade apresentado.
Documentos comprobatórios
Embora a declaração de pessoa natural goze de presunção de veracidade, é prudente que o advogado já colete com o cliente documentos que possam comprovar a alegada hipossuficiência.
O juiz pode solicitar essa comprovação a qualquer momento. Ter essa documentação preparada agiliza o processo e demonstra boa-fé.
Exemplos de documentos comprobatórios:
- Cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), especialmente as páginas de identificação, contrato de trabalho e última atualização salarial.
- Últimos três holerites ou comprovantes de renda.
- Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) do último exercício ou declaração de isento.
- Extratos bancários dos últimos três meses.
- Comprovantes de despesas fixas elevadas (aluguel, financiamento imobiliário, despesas médicas contínuas).
- Comprovante de inscrição em programas sociais do governo, como o Cadastro Único (CadÚnico), se aplicável.
- Para autônomos ou profissionais liberais, podem ser apresentadas declarações de rendimentos, extratos de movimentação bancária, ou outros documentos que demonstrem a renda mensal.
No caso de pessoa jurídica, a comprovação é obrigatória. Documentos como balanços patrimoniais, demonstrativos de resultado do exercício (DRE), livros contábeis, certidões de protesto, relação de dívidas, entre outros, são essenciais.
O advogado deve analisar a situação específica do cliente para determinar quais documentos são mais pertinentes.
A juntada proativa de alguns desses documentos, mesmo para pessoa física, pode evitar questionamentos do juízo e acelerar a concessão do benefício, especialmente em varas onde há um crivo mais rigoroso para a gratuidade.
A declaração deve ser anexada à petição que requer a gratuidade (petição inicial, contestação, recurso, etc.). É uma peça individualizada, assinada pelo próprio requerente.
Modelo de declaração de hipossuficiência
Como prometido, a seguir deixamos um modelo básico de declaração de hipossuficiência. Ele deve servir como guia e precisa ser adaptado conforme as necessidades específicas de cada caso.
DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA
Eu, [NOME COMPLETO DO DECLARANTE], [nacionalidade], [estado civil], [profissão], portador(a) da Cédula de Identidade RG nº [número do RG], expedida por [órgão expedidor/UF], inscrito(a) no CPF/MF sob o nº [número do CPF], residente e domiciliado(a) na [endereço completo com CEP], declaro, para os devidos fins de direito e sob as penas da lei, que não possuo condições financeiras de arcar com as custas, despesas processuais e eventuais honorários advocatícios, sem prejuízo do meu sustento próprio e/ou de minha família.
A presente declaração é firmada com o intuito de obter os benefícios da gratuidade da justiça, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal (“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”), e dos artigos 98 (“A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.”) e 99, §3º (“Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”), ambos da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil).
Declaro, ainda, estar ciente de que a falsidade desta declaração poderá implicar na aplicação das sanções civis, processuais e criminais cabíveis, conforme previsto no parágrafo único do artigo 100 do Código de Processo Civil (“Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.”) e no artigo 299 do Código Penal (“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.”).
Por ser esta a expressão da verdade, firmo a presente declaração.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[NOME COMPLETO DO DECLARANTE]
CPF: [número do CPF]
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