Na advocacia, é essencial que se tenha a compreensão plena dos conceitos processuais para uma defesa eficaz dos clientes.
E um dos conceitos que ainda gera dúvidas em muitos advogados é a ilegitimidade passiva, em especial em ações civis, trabalhistas e administrativas.
Mas afinal, o que é ilegitimidade passiva e como ela pode ser usada em uma contestação para evitar condenações indevidas, garantindo que o processo siga de acordo com a lei?
O conceito de ilegitimidade passiva, quais as principais questões que a envolvem, sua aplicação prática e como apresentá-la adequadamente no processo, é o que veremos neste artigo. E no final, trouxemos um modelo de contestação com alegação de ilegitimidade passiva.
O que é ilegitimidade passiva
A ilegitimidade passiva ocorre quando a pessoa ou instituição que foi citada em um processo judicial não é a parte correta para figurar no polo passivo da ação.
Em outras palavras, trata-se de uma defesa processual usada quando a parte demandada não tem relação jurídica direta com o fato ou o objeto da demanda.
O polo passivo, de forma resumida, é a parte do processo que responde à ação movida pela parte autora (polo ativo).
Para que haja um processo legítimo, é necessário que o réu seja a pessoa ou instituição que, de fato, deva responder pelo pedido judicial. Se isso não ocorre, surge a chamada ilegitimidade passiva.
Nós temos no JusBlog artigos que falam especificamente sobre polo passivo e ativo em processos judiciais. Confira:
Polo passivo: conceito e importância no processo judicial
Polo ativo em ações judiciais: como funciona e sua relevância
A ilegitimidade pode se dar de duas formas: ad causam e ad processum. A ilegitimidade ad causam está relacionada ao mérito da causa, ou seja, a parte não tem legitimidade para ser demandada sobre aquele objeto específico.
Já a ilegitimidade ad processum refere-se à capacidade de estar em juízo, como a impossibilidade de uma pessoa incapaz de figurar como parte sem a representação legal adequada.
Exemplos de ilegitimidade passiva
Na prática, vamos imaginar que um consumidor mova uma ação contra uma empresa pelo defeito em um produto, mas a ação seja movida contra o distribuidor, que não tem responsabilidade direta sobre a fabricação ou comercialização final do item.
Nesse caso, o distribuidor pode alegar ilegitimidade passiva, uma vez que não é o responsável direto pelo fato gerador da ação.
Outro exemplo ocorre em ações de indenização por acidentes de trânsito. Se o processo for movido contra uma pessoa que não estava envolvida no acidente, essa pessoa pode alegar ilegitimidade passiva para se eximir do processo.
Contestação de ilegitimidade passiva
A ilegitimidade passiva deve ser alegada logo no início da defesa, por meio de “contestação”. Esse é o nome dado à peça processual onde o réu defende-se em relação aos pedidos do autor e apresenta razões para que a ação seja julgada improcedente.
No caso da ilegitimidade passiva, o advogado precisa demonstrar de forma clara e objetiva que o réu não tem relação jurídica com os fatos narrados pelo autor.
É necessário que a defesa fundamente essa alegação com base nos documentos, contratos ou fatos que comprovem a desconexão entre a parte e o objeto da demanda.
O Código de Processo Civil (CPC), em seu Art. 337, estabelece as incumbências do réu antes de discutir o mérito. Dentre elas está alegar “ausência de legitimidade ou de interesse processual” .
Ou seja, antes de discutir o mérito da ação, o réu deve alegar a ilegitimidade, sob pena de preclusão. Se o réu não alegar a ilegitimidade passiva na contestação, perde o direito de fazê-lo posteriormente.
Nós também temos aqui no JusBlog um artigo que explica em detalhes o que é preclusão:
Preclusão no Direito Processual: conceito e aplicações para advogados
Efeitos da ilegitimidade passiva
Quando a ilegitimidade passiva é reconhecida pelo juiz, a consequência mais comum é a extinção do processo sem resolução de mérito em relação àquele réu.
Isso significa que o réu é excluído da ação, e o processo não deve seguir em relação a ele. O juiz pode, no entanto, sugerir que o autor redirecione a ação à parte que efetivamente deveria figurar no polo passivo, caso esta seja identificada.
Se a ilegitimidade passiva for rejeitada, o processo continuará com aquele réu, e a discussão sobre o mérito se inicia. Por isso, é importante que a argumentação sobre a ilegitimidade seja bem fundamentada e acompanhada de provas.
Preliminar de ilegitimidade passiva
A alegação de ilegitimidade passiva deve ser feita como uma preliminar de contestação, conforme previsto no Art. 337 do CPC.
As preliminares são questões processuais que precisam ser resolvidas antes do julgamento do mérito da ação. São defesas que, se acolhidas, podem levar à extinção do processo ou à correção de algum erro de procedimento.
A preliminar de ilegitimidade passiva deve ser apresentada de forma clara e objetiva. O advogado deve apontar os motivos pelos quais seu cliente não pode figurar como réu na ação, demonstrando a ausência de legitimidade para responder à demanda.
Como estruturar a preliminar
Ao estruturar a preliminar de ilegitimidade passiva, é fundamental seguir uma lógica:
- Identificação do polo passivo errado: o advogado deve mostrar que a parte demandada não tem relação com os fatos narrados na petição inicial.
- Demonstração da parte legítima: sempre que possível, indicar quem seria a parte legítima para figurar no polo passivo, se essa informação estiver clara. Isso pode auxiliar o juiz na redistribuição correta da ação.
- Base legal: fundamentar a preliminar no CPC e em outros dispositivos legais aplicáveis, demonstrando que a ilegitimidade passiva é uma questão de ordem pública e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz, se comprovada.
A apresentação correta dessa preliminar pode ser a diferença entre uma vitória rápida e o prolongamento de uma disputa judicial que poderia ser evitada desde o início.
Modelo de contestação com alegação de ilegitimidade passiva
Como prometido, vamos encerrar o artigo com um modelo simplificado de contestação com alegação de ilegitimidade passiva. Ele pode servir de referência para advogados que precisam elaborar uma peça processual desta natureza:.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE ____________
Processo nº ____________
Autor: ____________
Réu: ____________
CONTESTAÇÃO COM ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
O réu, ______________, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, por meio de seu advogado que esta subscreve, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar sua CONTESTAÇÃO, com fulcro no artigo 337, inciso II, do Código de Processo Civil, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
1. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
O réu alega, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva para figurar no presente processo, conforme os argumentos que seguem:
1.1. Ausência de relação jurídica com o objeto da demanda: O réu não possui qualquer vínculo jurídico com os fatos narrados pelo autor, conforme comprovam os documentos anexos.
1.2. Parte legítima para o polo passivo: O réu aponta que a empresa ______________ seria a responsável direta pelos atos descritos na petição inicial, conforme cláusulas contratuais anexas (doc. __).
1.3. Fundamentação legal: Nos termos do artigo 337, II, do CPC, a ilegitimidade passiva deve ser reconhecida de ofício por este juízo, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito em relação ao réu.
2. MÉRITO
[Caso haja a necessidade de discutir o mérito, poderá ser apresentado aqui. Caso contrário, pode-se apenas pedir a extinção da ação.]
Diante do exposto, requer a Vossa Excelência que seja acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva, com a consequente extinção do processo, sem resolução de mérito, em relação ao réu.
Nestes termos, pede deferimento.
Local e data.
Assinatura do advogado.
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