Saneamento do processo: o que é e como preparar sua atuação

Entenda o saneamento do processo, sua importância e saiba como o advogado pode se preparar para atuar de forma estratégica nessa fase

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O processo judicial nada mais é do que uma sequência de atos com o objetivo de chegar a uma solução para um conflito. Uma jornada com momentos de transição que definem os rumos da disputa. 

Tendo isso em vista, a fase de saneamento e organização do processo pode ser considerada um desses pontos de inflexão, apesar de muitos profissionais a verem como uma etapa burocrática, um despacho de mero expediente. 

Mas existe um caráter estratégico muitas vezes subestimado: é no saneamento que o campo de batalha da instrução probatória é delimitado. Nele, o juiz e as partes definem sobre o que, de fato, irão discutir e quais armas (provas) poderão usar.

E ainda mais: Ignorar a importância desta fase pode resultar na preclusão do direito de produzir uma prova essencial ou na obrigação de provar um fato que poderia ser atribuído à parte contrária. 

Nós temos aqui no Jusblog alguns artigos sobre preclusão. Confira: 

Preclusão consumativa​: como funciona no processo civil

Preclusão temporal​: conceito, aplicações e impactos no processo jurídico

Preclusão no Direito Processual: conceito e aplicações para advogados

Mas voltando à temática de saneamento do processo, neste artigo vamos explorar o seu conceito; detalhar a decisão que o formaliza; além de oferecer um guia prático para estruturar uma petição, já que a diversidade do tema quase impossibilita um modelo. 

O que é saneamento do processo

O saneamento do processo é o ato judicial que organiza o feito, prepara-o para a fase de instrução e posterior julgamento. 

A palavra “sanear” remete à ideia de limpar, de corrigir, de tornar são. No contexto processual, significa resolver questões pendentes e organizar o que será o objeto da próxima etapa.

Trata-se de uma atividade de filtro e de planejamento. O juiz, após as manifestações iniciais das partes (petição inicial, contestação, réplica), verifica a regularidade do processo. 

Nesta etapa, ele analisa se existem vícios ou nulidades que possam ser corrigidos. Caso não existam questões processuais a resolver, o foco se volta para a preparação da coleta de provas.

Os objetivos centrais do saneamento são:

Resolver questões processuais pendentes: o juiz decide sobre preliminares arguidas na contestação, como ilegitimidade de parte; inépcia da petição inicial ou falta de interesse processual. Se um vício sanável for identificado, o magistrado deve determinar sua correção.

Delimitar os pontos controvertidos: o saneamento estabelece quais fatos, alegados por uma parte e impugnados pela outra, são relevantes para a solução do mérito e necessitam de prova. Fatos incontroversos, admitidos ou sobre os quais não há disputa, são excluídos da fase de instrução.

Definir o ônus da prova: o juiz especifica qual parte terá a responsabilidade de provar cada ponto controvertido. 

Especificar os meios de prova admitidos: com base nos pontos controvertidos e no ônus probatório, o juiz define quais provas serão produzidas. Ele pode deferir ou indeferir pedidos de prova pericial, testemunhal ou documental suplementar, sempre com justificativa.

Designar a audiência de instrução e julgamento: se a produção de prova oral for necessária, o juiz marcará a data para a audiência.

Em resumo, o saneamento funciona como um roteiro. Ele encerra a fase postulatória e dá início à fase instrutória, com regras claras sobre o que será discutido; quem deve provar; e como a prova será produzida.

Decisão de saneamento e de organização do processo

O Código de Processo Civil de 2015 dedica o Art. 357 para tratar da decisão de saneamento e de organização do processo. A norma estrutura de forma clara os passos que o juiz deve seguir.

Não ocorrendo as hipóteses de extinção do processo ou de julgamento antecipado do mérito, o juiz deverá proferir a decisão de saneamento. 

Como o Art. 357 é muito extenso, vamos abordar aqui os principais pontos. Como por exemplo, aqueles que uma decisão de saneamento deve conter, obrigatoriamente:

  • A resolução das questões processuais pendentes, se houver.
  • A delimitação das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, com a especificação dos meios de prova admitidos.
  • A definição da distribuição do ônus da prova.
  • A delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito.
  • A designação da audiência de instrução e julgamento, se for o caso.

Falando em Novo CPC, uma das principais inovações ficou em torno da promoção de um saneamento compartilhado ou consensual. 

O §3º do Artigo 357 prevê que, se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, o juiz poderá designar uma audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes. 

Nessa audiência, as partes têm a oportunidade de dialogar e contribuir ativamente para a delimitação das questões de fato e de direito, o que pode otimizar a instrução processual.

E de acordo com o § 1º do Art. 357, após a publicação da decisão de saneamento, as partes têm um prazo comum de cinco dias para pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes. 

A natureza jurídica da decisão de saneamento é de decisão interlocutória. Por isso, a contestação a seu conteúdo por meio de recurso é restrita. 

Assim, o Agravo de Instrumento cabe apenas contra partes específicas da decisão, como, por exemplo, a que versa sobre a redistribuição do ônus da prova. 

Outras inconformidades, como o indeferimento de uma prova, devem ser arguidas em preliminar de apelação, caso a sentença final seja desfavorável.

Petição de saneamento do processo com o Novo CPC

Esperar a decisão do juiz sem uma manifestação prévia pode significar a perda da chance de influenciar o rumo do processo. 

A melhor prática é a apresentação de uma petição de especificação de provas que, na realidade, funciona como uma proposta de saneamento.

Esta petição deve ser protocolada após o prazo para réplica, ou quando o juiz intimar as partes para especificarem as provas que pretendem produzir. 

A estrutura de uma petição de saneamento pode seguir os seguintes passos:

  1. Revisão de questões processuais: caso alguma preliminar arguida na contestação ainda não tenha sido analisada, este é o momento para reforçar o argumento e pedir sua apreciação.
  2. Apresentação dos pontos controvertidos: o advogado deve apresentar ao juiz a sua versão dos pontos controvertidos. Em vez de uma lista genérica, é preciso formular os pontos como perguntas claras e diretas. Por exemplo: “O autor sofreu dano moral alegado em decorrência da conduta do réu?”. Esta clareza ajuda a focar o debate.
  3. Justificativa das provas requeridas: este é o núcleo da petição. Para cada prova solicitada, o advogado deve justificar sua pertinência e relevância. A chave é conectar cada meio de prova a um ponto controvertido específico.
    • Prova testemunhal: indique o que a testemunha poderá esclarecer e a qual fato sua oitiva se relaciona.
    • Prova pericial: especifique o objeto da perícia e formule quesitos preliminares. Justifique por que o conhecimento técnico é indispensável para elucidar determinado ponto.
    • Prova documental: se houver necessidade de novos documentos, especifique quais são e por que são necessários, requerendo a intimação da parte contrária ou de terceiros para apresentá-los.
    • Depoimento pessoal: fundamente a necessidade de ouvir a parte contrária para obtenção da confissão sobre um fato central.
  4. Manifestação sobre o ônus da prova: o advogado deve se posicionar sobre a distribuição do ônus probatório. Pode defender a aplicação da regra geral do artigo ou, se for o caso, argumentar a favor da distribuição dinâmica do ônus da prova. Para isso, deve demonstrar que a parte contrária possui maior facilidade ou melhores condições de produzir a prova sobre determinado fato.

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