O Brasil já editou mais de 460 mil normas tributárias desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988.
O que denota a complexidade de um sistema marcado pela cumulatividade e pela guerra fiscal entre estados, com um contencioso tributário que supera 75% do PIB nacional.
Mas, a tendência é que o cenário sofra uma grande ruptura estrutural, a partir da Emenda Constitucional Nº 132/2023.
Isso porque, diferente de ajustes pontuais realizados nas últimas décadas, a Emenda altera a base do consumo e introduz um sistema de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual.
Mas por que é importante falar disso agora? Porque o ano de 2026 marca o início da vigência prática dessas alterações, com a cobrança dos novos tributos e a convivência paralela entre o antigo e o novo regime.
Reforma tributária 2026: o que muda
A espinha dorsal da reforma está na unificação de cinco tributos: o PIS, a COFINS e o IPI (federais); o ICMS (estadual); e o ISS (municipal) deixarão de existir gradualmente.
Eles darão lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); e ao Imposto Seletivo (IS).
A CBS, de competência da União, substitui o PIS e a COFINS.
O IBS, de competência compartilhada entre estados e municípios, absorve o ICMS e o ISS.
Já, já falaremos sobre o IS. Antes, é preciso entender que tanto a CBS quanto o IBS incidem sobre operações com bens materiais e imateriais, inclusive direitos e serviços.
A base de cálculo torna-se uniforme em todo o território nacional, e a cobrança passa a ocorrer no destino (local de consumo), não mais na origem. Uma alteração que tem como principal objetivo acabar com a competição fiscal entre entes federativos.
Além disso, o novo modelo adota o crédito financeiro: todo o imposto pago na etapa anterior gera crédito para a etapa seguinte, exceto em aquisições para uso e consumo pessoal ou operações isentas.
Isso promete reduzir drasticamente a margem para litígios sobre a classificação de despesas dedutíveis.
Outra inovação central é o chamado split payment (pagamento dividido): o recolhimento do tributo ocorre no momento da liquidação financeira da transação.
Isso quer dizer que o sistema bancário ou a instituição de pagamento segrega o valor do imposto e o repassa diretamente ao Fisco.
Tal mecanismo visa coibir a sonegação e, em tese, eliminar a inadimplência declarada. Já para o contribuinte, isso impacta o fluxo de caixa, pois elimina o diferimento entre o fato gerador e o recolhimento do tributo.
Agora sim, hora de falar sobre o Imposto Seletivo (IS): apelidado de “imposto do pecado”, ele possui finalidade extrafiscal.
Isso porque a incidência recai sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
A lista de produtos sujeitos ao IS inclui cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos poluentes e extração de minérios, sendo que a alíquota pode variar conforme a essencialidade e o grau de nocividade do produto.
A EC 132/2023 também define regimes diferenciados: certos setores, como serviços de educação; saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade; medicamentos e transporte coletivo de passageiros; terão redução de 60% nas alíquotas de referência.
Profissionais liberais submetidos a fiscalização por conselhos de classe, incluindo advogados, contam com redução de 30% nas alíquotas do IBS e da CBS.
O que significa que a prestação de serviços advocatícios sofrerá tributação distinta da regra geral, o que demanda revisão no planejamento tributário das bancas.
Mas é importante dizer que a reforma mantém o Simples Nacional: empresas enquadradas nesse regime podem optar por recolher o IBS e a CBS dentro da guia única ou destacar os impostos para permitir a transferência de crédito aos seus clientes.
Escolha que exige análise contábil caso a caso, pois a transferência de crédito pode tornar o fornecedor do Simples mais competitivo perante grandes compradores.
Outra novidade é o cashback tributário. Um mecanismo que prevê a devolução de parte do IBS e da CBS pagos por famílias de baixa renda nas contas de luz, água, gás e compra de alimentos.
A operacionalização desse sistema depende da regulamentação através de Lei Complementar, mas estabelece uma nova relação jurídica entre o Fisco e o consumidor final, com potencial geração de demandas sobre a elegibilidade e o efetivo ressarcimento.
Por fim, a governança do IBS ficará a cargo do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS).
Esse órgão, que terá independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, centralizará a arrecadação e a distribuição dos recursos aos entes subnacionais.
O contencioso administrativo do IBS também será unificado nesse órgão, alterando a competência dos atuais tribunais administrativos estaduais e municipais para os fatos geradores do novo imposto.
Cronograma da reforma tributária 2026
Como já vimos, o ano de 2026 representa o marco zero da transição tributária. Até 31 de dezembro de 2025, a reforma existe apenas no plano normativo e de regulamentação.
É só a partir de 1º de janeiro de 2026 que inicia a fase de testes e a convivência de regimes.
Fase de teste (2026)
A cobrança da CBS inicia com alíquota de 0,9% e a do IBS com alíquota de 0,1%. O total de 1% serve para calibrar os sistemas de arrecadação e testar a eficácia do split payment.
Esses valores serão compensáveis com o PIS e a COFINS devidos no mesmo período. Caso o contribuinte não tenha débito suficiente de PIS/COFINS para compensar, poderá solicitar o ressarcimento ou compensar com outros tributos federais.
Extinção do PIS/COFINS (2027)
Em 2027, ocorre a primeira grande extinção, com o PIS e a COFINS deixando de existir, assim como as alíquotas de teste da CBS.
Entra então em vigor a CBS com alíquota cheia (definida por Lei Complementar e resoluções do Senado) e o Imposto Seletivo.
As alíquotas do IPI são reduzidas a zero, exceto para produtos que tenham industrialização na Zona Franca de Manaus, para manter a competitividade regional. O IBS permanece com a alíquota de teste de 0,1%.
Transição do ICMS e ISS (2029 a 2032)
A substituição dos tributos estaduais e municipais ocorre de forma escalonada.
- 2029: a cobrança do IBS inicia sua subida, enquanto as alíquotas de ICMS e ISS sofrem redução proporcional. A proporção definida é de um décimo de redução dos tributos antigos e inserção do novo a cada ano.
- 2030 a 2032: a progressão continua até que o ICMS e o ISS atinjam a extinção total.
Implementação plena (2033)
A partir de 2033, o sistema antigo deverá serrevogado. Vigora apenas o novo modelo com CBS, IBS e IS.
Com isso posto, percebe-se que o período de 2026 a 2032 apresenta o desafio da cumulação de obrigações acessórias.
As empresas deverão declarar e recolher tributos de dois sistemas distintos simultaneamente.
Ou seja, o contencioso tributário tende a aumentar nesse intervalo, dada a coexistência de legislações divergentes e a aplicação de regras de transição.
Contratos de longo prazo, como os de infraestrutura, fornecimento contínuo e locação, já demandam por revisão.
Cláusulas de preço e reajuste baseadas na carga tributária vigente podem sofrer desequilíbrio econômico-financeiro com a entrada das novas alíquotas em 2026 e a subsequente extinção do PIS/COFINS em 2027.
Isso quer dizer que a redação contratual deve prever mecanismos de repactuação automática ou fórmulas paramétricas que considerem a flutuação da carga tributária durante a década de transição.
Além disso, o cronograma impõe um ritmo acelerado de conformidade. A inércia na revisão de processos internos e na adequação contratual pode resultar em passivos ocultos e perda de competitividade.
Ou seja, o período entre 2026 e 2032 representa não apenas uma troca de siglas, mas uma reformulação da lógica contábil e jurídica das operações empresariais em todo o Brasil. E o papel do advogado, neste contexto, será central.
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