Instituído no ordenamento jurídico brasileiro com o Código de Processo Penal de 1941, o recurso em sentido estrito (RESE), funcionava como o principal meio de impugnação de um sistema processual com poucas alternativas recursais.
Hoje, décadas de reformas legislativas e mudanças jurisprudenciais depois, suas hipóteses de cabimento são mais específicas e o RESE passou a ser um instrumento de alta precisão técnica.
O que é recurso em sentido estrito
O recurso em sentido estrito é um meio de impugnação a decisões interlocutórias específicas, proferidas no curso do processo penal, antes da sentença final.
Sua natureza é residual, pois é cabível apenas nas hipóteses taxativas previstas em lei: em especial no Art. 581 do Código de Processo Penal (CPP).
Art. 581. “Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
I – que não receber a denúncia ou a queixa;
II – que concluir pela incompetência do juízo;
III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição;
IV – que pronunciar o réu;
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, ou indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante;
VI – (Revogado pela Lei nº 11.689, de 2008)
VII – que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade;
IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade;
X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;
XI – que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena;
XII – que conceder, negar ou revogar o livramento condicional;
XIII – que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte;
XIV – que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
XV – que denegar a apelação ou a julgar deserta;
XVI – que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;
XVII – que decidir sobre a unificação de penas;
XVIII – que decidir o incidente de falsidade;
XIX – que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado;
XX – que impuser medida de segurança por transgressão de outra;
XXI – que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774;
XXII – que revogar a medida de segurança;
XXIII – que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei o admite;
XXIV – que converter a multa em detenção ou em prisão simples.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso XIV, o recurso subirá nos próprios autos”
A principal característica que o distingue de outros recursos é o juízo de retratação, também chamado de efeito regressivo.
Após a interposição do recurso e a apresentação das razões, os autos retornam ao juiz que proferiu a decisão. Ele pode, então, reconsiderar e reformar o ato impugnado.
Caso o magistrado mantenha a decisão, ele determina a subida dos autos à instância superior para o julgamento do mérito recursal.
O que permite uma solução mais célere para eventuais erros de procedimento (error in procedendo) ou de julgamento (error in judicando), sem a necessidade de movimentar todo o aparato do Tribunal.
Seu propósito é garantir a regularidade do processo e corrigir decisões que possam causar prejuízo ou dano irreparável à parte. A interposição correta do RESE é uma forma eficaz de prevenir futuras arguições de nulidade, ao atacar o vício no momento oportuno.
Quando cabe recurso em sentido estrito
Como já vimos no Art. 581 do CPP, o cabimento do recurso em sentido estrito é restrito a uma série de hipóteses.
Confira abaixo, as principais delas de forma detalhada:
I – Da decisão “que não receber a denúncia ou a queixa”: ferramenta essencial para a acusação, seja o Ministério Público ou o querelante, quando o juiz rejeita a peça inicial acusatória.
IV – Da decisão “que pronunciar o réu”: este é talvez o uso mais clássico do RESE pela defesa. Quando o juiz entende que há indícios de autoria e prova da materialidade de um crime doloso contra a vida e submete o acusado ao Tribunal do Júri, a defesa pode recorrer para buscar a impronúncia, a absolvição sumária ou a desclassificação do crime.
V – Da decisão “que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança”: decisões que envolvem a liberdade provisória do acusado por meio de fiança são diretamente impugnáveis por RESE.
VIII – Da decisão “que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade”: se o juiz reconhece uma causa de extinção da punibilidade, a acusação pode utilizar o RESE para tentar reverter a decisão e dar prosseguimento ao processo.
X – Da decisão “que conceder ou negar a ordem de habeas corpus”: embora o habeas corpus seja uma ação autônoma, a decisão de mérito proferida por um juiz de primeira instância em um HC é desafiada por meio de recurso em sentido estrito.
XV – Da decisão “que denegar a apelação ou a julgar deserta”: atua como um mecanismo de controle do juízo de admissibilidade de outro recurso, a apelação. Se o juiz de primeiro grau obsta o processamento da apelação, a parte prejudicada pode interpor RESE.
Prazo do recurso em sentido estrito
O prazo para a interposição do recurso em sentido estrito é, em regra, de cinco dias, contados da intimação da decisão. A previsão está no Art. 586 do Código de Processo Penal.
Após a interposição, a parte recorrente tem um prazo de dois dias para apresentar as razões do recurso.
Em seguida, a parte contrária é intimada para, também em dois dias, apresentar suas contrarrazões. Tais prazos são definidos pelo Art. 588 do CPP.
Já a contagem dos prazos no processo penal segue a regra do Art. 798 do CPP: exclui-se o dia do começo e inclui-se o do vencimento. Com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a contagem passou a ser em dias úteis.
Porém, é importante ressaltar: a petição de interposição e as razões recursais são peças distintas e com prazos próprios.
Isso faz com que a ausência de apresentação das razões no prazo legal possa ser interpretada como desistência tácita do recurso.
Embora a jurisprudência majoritária entenda que se trata de mera irregularidade, o juiz deve intimar a parte para suprir a omissão.
Modelo de recurso em sentido estrito
A seguir, como de costume aqui no JusBlog, você confere um modelo básico dividido em petição de interposição e razões recursais, para adaptar de acordo com sua necessidade:
1. Petição de Interposição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ______/.
Processo nº: [Número do processo]
[NOME DO RECORRENTE], já qualificado nos autos do processo em epígrafe, por seu advogado que esta subscreve, não se conformando, data venia, com a respeitável decisão de fls. ____, que [descrever a decisão recorrida, ex: pronunciou o réu como incurso nas sanções do artigo 121 do Código Penal], vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, interpor
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
com fundamento no artigo 581, inciso [indicar o inciso correspondente] do Código de Processo Penal.
Requer seja o presente recurso recebido, processado e, caso Vossa Excelência não reconsidere a decisão guerreada, nos termos do artigo 589 do CPP, que seja encaminhado ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de __________ para o devido julgamento.
Informa que as razões recursais seguem em peça anexa.
Termos em que,
Pede deferimento.
[Local], [data].
[Nome do Advogado]
[OAB/UF nº]
2. Razões Recursais
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE _________
COLENDA CÂMARA
ÍNCLITOS JULGADORES
DOUTRA PROCURADORIA DE JUSTIÇA
Processo nº: [Número do processo]
Recorrente: [Nome do Recorrente]
Recorrido: [Nome do Recorrido, ex: Justiça Pública]
Origem: ____ Vara Criminal da Comarca de ______/
RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
I – DOS FATOS
(Apresentar um resumo conciso e objetivo dos fatos pertinentes à decisão recorrida. Evitar detalhes desnecessários e focar nos elementos que fundamentarão a tese jurídica.)
II – DO DIREITO
(Desenvolver a argumentação jurídica. Demonstrar o error in procedendo ou o error in judicando da decisão. Citar a legislação, a doutrina e a jurisprudência aplicáveis ao caso. Por exemplo, se o recurso for contra uma decisão de pronúncia, argumentar a ausência de indícios suficientes de autoria ou a prova inequívoca de uma excludente de ilicitude que autorize a absolvição sumária.)
III – DO PEDIDO
Diante do exposto, requer o conhecimento e o provimento do presente Recurso em Sentido Estrito para o fim de reformar a respeitável decisão de fls. ____, para o efeito de:
a) [Exemplo 1: impronunciar o recorrente, nos termos do artigo 414 do CPP];
b) [Exemplo 2: absolver sumariamente o recorrente, com base no artigo 415, inciso IV, do CPP];
c) [Exemplo 3: receber a denúncia oferecida pelo Ministério Público].
(O pedido deve ser claro, direto e corresponder à tese desenvolvida na argumentação.)
Termos em que,
Pede deferimento.
[Local], [data].
[Nome do Advogado]
[OAB/UF nº]
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