Há cerca de duas décadas, qualquer ofensa proferida em uma discussão de trânsito, ou em uma mesa de bar, ficava restrita às testemunhas presentes e era impensável que chegasse a juízo.
Hoje, a dinâmica das interações sociais, em grande parte mediadas por plataformas digitais, alterou não só o impacto, mas também a perenidade e o alcance do dano à honra.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registra um crescimento contínuo nos registros de crimes contra a honra, impulsionados pela facilidade do ambiente virtual e pela polarização social.
Os números cresceram também por conta das alterações realizadas na legislação. Como a Lei Nº 14.532/2023, que equiparou a injúria racial ao racismo. Isso fez com que os registros de crimes de injúria tenham aumentado mais de 40%, em 2024, comparado a 2023.
O que é crime de injúria
A injúria é definida como ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem.
No ordenamento jurídico brasileiro, ela integra o capítulo dos crimes contra a honra, previstos no Código Penal.
A distinção fundamental para a tipificação está no objeto jurídico tutelado: a honra subjetiva.
Diferente da calúnia (imputação falsa de fato criminoso) e da difamação (imputação de fato ofensivo à reputação), a injúria não exige a atribuição de um fato específico.
O tipo penal concentra-se na emissão de conceitos negativos, xingamentos ou atribuição de qualidades defeituosas que atinjam o amor-próprio da vítima, sua autoestima ou a visão que ela possui de si mesma.
Para a configuração do delito, a doutrina e a jurisprudência exigem a presença do animus injuriandi, ou seja, a intenção dolosa de ofender.
A mera crítica, ainda que dura, ou a expressão de pensamento, quando desprovidas da vontade específica de menosprezar ou humilhar a vítima, podem afastar a tipicidade da conduta.
O crime é classificado como formal: a consumação ocorre no momento em que a vítima toma conhecimento da imputação ofensiva, independentemente de terceiros ouvirem ou não.
Essa é uma característica fundamental que o difere da difamação, que exige a publicidade para que a reputação social sofra o dano.
A ação penal, em regra, é privada. Ou seja, cabe ao ofendido a iniciativa de apresentar a queixa-crime, por meio de advogado, dentro do prazo decadencial de seis meses.
Crime de injúria: exemplos
O crime de injúria possui muitas formas de ser executado. O que exige uma análise criteriosa do caso e do contexto para que haja a identificação correta do tipo penal.
Injúria simples
Ocorre através da atribuição de qualidades negativas genéricas. Exemplos comuns incluem o uso de termos como “ladrão” (sem a narração de um furto específico, o que configuraria calúnia), “estelionatário” (no sentido de desonesto), “burro”, “imbecil” ou “adúltero”.
Em casos de injúria simples, o foco é a depreciação da pessoa.
Injúria real
Este tipo envolve o uso de violência ou vias de fato para ofender a dignidade, desde que o ato seja considerado aviltante.
Um exemplo clássico é o tapa no rosto, cujo objetivo não é lesionar a integridade física, mas humilhar a vítima.
Arremessar líquidos ou substâncias, com o intuito de ridicularização, também se enquadra nesta categoria.
Injúria preconceituosa (racial)
Como já vimos, após a sanção da Lei Nº 14.532/2023, a injúria preconceituosa, ou racial passou a se equiparar ao crime de racismo.
Ele se configura pela utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem e ainda à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Exemplos práticos incluem chamar alguém de “macaco”, fazer alusões pejorativas ao cabelo de pessoas negras, utilizar termos xenofóbicos contra nordestinos ou ofensas que ataquem a fé de praticantes de religiões de matriz africana.
Injúria na internet
Comentários em redes sociais, mensagens diretas (DMs) ou e-mails ofensivos constituem meios frequentes de cometimento do crime.
O “print” da tela, acompanhado preferencialmente de ata notarial para atestar a veracidade e a existência do conteúdo, serve como materialidade delitiva.
A viralização do conteúdo pode atuar como causa de aumento de pena, dada a facilidade de propagação da ofensa.
Crime de injúria: artigo
A base legal do crime de injúria está no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. A estrutura do artigo divide-se entre a forma simples, o perdão judicial, a forma qualificada pela violência e a forma qualificada pelo preconceito.
O caput do Art. 140 descreve a conduta básica: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.
O parágrafo 1º (§ 1º) traz hipóteses de perdão judicial, cruciais para a defesa, em que o juiz pode deixar de aplicar a pena em duas situações:
- Quando o ofendido, de forma reprovável, provocou a injúria diretamente.
- No caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. É o cenário da discussão acalorada onde as ofensas são recíprocas e simultâneas.
O parágrafo 2º (§ 2º) trata da injúria real: “Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes”.
O parágrafo 3º (§ 3º) contém aquela que é considerada a principal alteração legislativa do crime de injúria, em que abarca os elementos de “raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
Confira o artigo 140 do Código Penal na íntegra:
Segue o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro na íntegra, com a redação atualizada, especialmente no parágrafo 3º, alterado pela Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023.
Art. 140. “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º – Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”
Qual é a pena para o crime de injúria
As sanções variam conforme a modalidade do crime, em um escalonamento de gravidade que impacta diretamente a estratégia processual e a possibilidade de institutos despenalizadores.
Pena na injúria simples
A pena prevista é de detenção, de um a seis meses, ou multa.
Por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, com pena máxima inferior a dois anos, a competência é do Juizado Especial Criminal (JECrim).
Isso permite a aplicação de institutos como a composição civil dos danos e a transação penal, evitando-se, em muitos casos, a instauração do processo ou a condenação formal.
Pena na injúria real
A pena é de detenção (de três meses a um ano) e multa, além da pena correspondente à violência.
Caso a violência empregada resulte em lesão corporal, o agente responderá por ambos os crimes, em concurso material.
Pena na injúria preconceituosa (racial)
A Lei Nº 14.532/2023 elevou a severidade do delito. A pena agora é de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.
A alteração de “detenção” para “reclusão” e o aumento do quantum de pena removem o crime da competência do JECrim.
Além disso, não cabe fiança na fase policial e o rito processual é o comum ordinário ou sumário, dependendo da pena final projetada.
A pena também pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, ou por meio que facilite a divulgação (redes sociais).
Causas de aumento da pena por injúria
As penas podem aumentar em um terço se o crime for cometido:
- Contra o presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro;
- Contra funcionário público, em razão de suas funções;
- Na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação;
- Contra pessoa maior de 60 anos ou portadora de deficiência (em caso de injúria simples).
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