Direito digital: desafios jurídicos e oportunidades para advogados

Entenda os principais desafios do direito digital e descubra as oportunidades de atuação para advogados em temas como proteção de dados, crimes cibernéticos e provas digitais

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Em 2013, o debate jurídico brasileiro centrava-se na aprovação do Marco Civil da Internet, uma legislação pioneira criada para organizar um ambiente virtual ainda em consolidação. 

Pouco mais de uma década depois, o cenário sofreu uma alteração radical: o volume de dados gerados pela humanidade saltou de 2 zettabytes em 2010 para o que se estima ter superado os 120 zettabytes em 2024. 

Ou seja, as relações sociais, comerciais e trabalhistas migraram de forma massiva para plataformas online. O que quer dizer que o crime, antes restrito às ruas, encontrou no um terreno fértil no anonimato da rede. 

A tecnologia deixou de ser apenas uma ferramenta de suporte para se tornar o próprio tecido das interações humanas. E isso exige do Direito respostas objetivas para conflitos inéditos.

O que é Direito Digital

O Direito Digital não compõe um ramo autônomo clássico, como o Direito Civil ou o Direito Penal. 

Trata-se, na realidade, da aplicação de normas, princípios e institutos jurídicos tradicionais aos fatos ocorridos no meio virtual. 

Uma vertente que possui caráter transversal e conecta-se a diversas áreas para regular as relações travadas na internet e o uso de tecnologias da informação.

O Direito Digital abrange desde a proteção da propriedade intelectual de softwares e a tributação de bens digitais, até a validação de contratos eletrônicos e a repressão a crimes cibernéticos. 

O objetivo central consiste em garantir que a legislação acompanhe a evolução tecnológica, para evitar vácuos normativos que gerem insegurança jurídica.

No Brasil, a base legal é fundamentada na:

  • Constituição Federal
  • Código Civil
  • Código de Defesa do Consumidor
  • Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965/2014)
  • Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). 

A principal atuação do Direito Digital é voltada à interpretação dessas leis diante de novas realidades, como a Internet das Coisas (IoT),  blockchain, e Inteligência Artificial (AI).

Diferente do processo eletrônico, que se refere à digitalização dos trâmites judiciais, o Direito Digital foca no mérito das questões tecnológicas, como a responsabilidade civil de provedores de aplicação, a remoção de conteúdo ofensivo e a herança digital.

Princípios da LGPD

A Lei Nº 13.709/2018 (LGPD) estabeleceu um novo paradigma para o tratamento de informações no Brasil. 

A norma impõe limites à coleta, ao armazenamento e ao compartilhamento de dados pessoais. 

Para advogados que atuam com compliance ou contencioso de dados, é fundamental a compreensão dos dez princípios elencados no Artigo 6º da lei:

Aqui está o texto integral do Artigo 6º da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018):

Art. 6º. “As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:

I – finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;

II – adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;

III – necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados;

IV – livre acesso: garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais;

V – qualidade dos dados: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

VI – transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

VII – segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão;

VIII – prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais;

IX – não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos;

X – responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.”

A violação desses princípios fundamenta a aplicação de sanções administrativas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e condenações no Poder Judiciário.

Nós temos, no JusBlog, um artigo inteiramente dedicado à LGPD. Confira: 

Princípios da LGPD: entenda os desafios nos escritórios de advocacia

Os desafios do Direito digital

A velocidade da inovação tecnológica é, inevitavelmente, superior ao ritmo de produção legislativa. 

E esse descompasso gera zonas cinzentas que desafiam a interpretação jurídica e criam oportunidades de atuação em consultoria e litígio estratégico. Um dos obstáculos primários está justamente na jurisdição e na territorialidade.

A internet não possui fronteiras físicas, mas as leis nacionais possuem limites geográficos. Determinar o local da infração e a legislação aplicável em casos que envolvem servidores em nuvem distribuídos por múltiplos países constitui um problema complexo. 

Crimes cometidos por hackers situados no leste europeu contra empresas brasileiras, com dados armazenados nos Estados Unidos, exigem cooperação internacional e domínio de tratados multilaterais.

A produção de provas digitais apresenta outro desafio técnico. “Prints” de telas possuem fragilidade probatória, tendo em vista sua facilidade de manipulação. 

A validação de conversas de WhatsApp, registros de logs de acesso e postagens em redes sociais demanda métodos auditáveis, como o uso de blockchain para registro de imutabilidade ou a lavratura de atas notariais. 

A cadeia de custódia da prova digital tornou-se um ponto central em processos criminais e cíveis.

Aliás, aqui no JusBlog você também encontra um artigo voltado à cadeia de custódia:

Cadeia de custódia no Direito Penal: como garantir a integridade da prova

Mas é a regulação da Inteligência Artificial (IA) que desponta como o tema mais atual: a atribuição de responsabilidade civil por danos causados por algoritmos autônomos tem gerado debates intensos. 

Se um veículo autônomo, por exemplo, causar um acidente ou se um algoritmo de seleção de crédito discrimina minorias, a quem recai a culpa? 

Ao desenvolvedor, ao usuário ou à empresa que treinou a IA? Projetos de lei buscam classificar os riscos da IA, mas a aplicação prática ainda carece de jurisprudência consolidada.

Os Smart Contracts (contratos inteligentes) executados em blockchain trazem a promessa de autoexecução e imutabilidade. 

Porém, quando o código contém falhas ou quando a execução automática gera resultados injustos, o sistema jurídico tradicional encontra dificuldades para intervir e reverter transações descentralizadas. 

Por fim, a segurança cibernética impõe uma demanda constante: ataques de ransomware (sequestro de dados) paralisam operações corporativas e expõem segredos industriais. 

A advocacia preventiva atua na criação de planos de resposta a incidentes, enquanto a repressiva busca a mitigação de danos e a responsabilização de terceiros. 

E é o cruzamento entre técnica forense computacional e a argumentação jurídica que acaba por definir o sucesso nessas demandas.

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