Desde o “Novo CPC”, ou seja, o Código de Processo Civil de 2015, a tutela provisória foi consolidada como um gênero dividido em duas espécies: a tutela de urgência e a tutela de evidência.
Enquanto a tutela de urgência é amparada no risco ao resultado útil do processo (e claro, à urgência), a tutela de evidência tem seu fundamento enraizado na robustez do direito alegado.
Determinada pelo Artigo 311 do CPC, ela permite a antecipação de efeitos da decisão final de mérito sem a necessidade de comprovação do perigo de dano, ou mesmo risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
O objetivo é redistribuir o ônus do tempo no processo. Em situações onde o direito do autor é muito provável, a lei autoriza que ele usufrua desse direito de imediato.
Ou seja, a espera pelo trâmite processual completo passa a ser um ônus para o réu.
Por isso, neste artigo vamos explorar o conceito; os requisitos; e as diferenças fundamentais entre a tutela de evidência e a tutela de urgência.
O que é tutela de evidência
A tutela de evidência é uma modalidade de tutela provisória que autoriza o juiz a conceder, de forma antecipada, o direito pleiteado pelo autor.
Tal concessão independe da demonstração de urgência. O critério utilizado é a alta probabilidade do direito, verificada a partir de situações específicas previstas em lei.
O instituto se baseia em um fumus boni iuris qualificado. Ou seja, não se trata da plausibilidade, mas de uma “quase certeza” do direito, manifesta por meio de prova documental ou circunstâncias que enfraquecem de modo significativo a posição do réu.
A lógica por trás da norma é a da boa-fé e a celeridade processual. Pois quando as alegações do autor são amparadas por um conjunto probatório sólido, não há razão para que o autor suporte todo o peso do tempo processual.
Assim, a tutela de evidência atua como um mecanismo de justiça distributiva, transferindo o ônus da demora para a parte que, à primeira vista, tem menos chances de obter êxito na demanda.
Tutela de evidência: requisitos
O Artigo 311 do CPC estabelece quatro hipóteses taxativas para a concessão da tutela de evidência. E a fundamentação do pedido deve se enquadrar de modo preciso em uma delas.
Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte
A primeira hipótese tem natureza sancionatória. A tutela é concedida como uma penalidade à conduta processual do réu.
Para sua configuração, é preciso demonstrar que a parte contrária pratica atos que extrapolam o exercício regular do seu direito de defesa.
O abuso do direito de defesa se caracteriza por ações como a apresentação de recursos com intuito claro de retardar a formulação de incidentes infundados ou a resistência injustificada ao andamento do processo.
Alegações de fato comprováveis apenas por documentos e tese firmada em precedente vinculante
As alegações de fato do autor podem ser comprovadas de forma exclusiva por prova documental. Além disso, deve haver uma tese jurídica já firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Pedido reipersecutório fundado em prova documental de contrato de depósito
Tem como objetivo a entrega de uma coisa, ao invés de pagamento de um valor. A base do pedido é um contrato de depósito, e a existência desse contrato deve ser comprovada por documento.
Nesse caso, a ação cabível é a ação de depósito, na qual o depositante exige a restituição da coisa que confiou ao depositário.
Com a prova documental do contrato, o autor pode pedir a entrega imediata do bem.
Prova documental suficiente e ausência de contraprova do réu
Hipótese mais ampla e frequente, a concessão da tutela depende da análise do conjunto probatório após a apresentação da defesa do réu.
O autor deve instruir sua petição inicial com prova documental suficiente dos fatos que constituem seu direito.
Após a citação, o réu apresenta sua contestação. Se a defesa não trouxer uma contraprova capaz de gerar dúvida razoável sobre o direito do autor, a tutela de evidência pode ser concedida.
Além disso, uma defesa genérica, que nega os fatos sem apresentar documentos ou argumentos plausíveis que a sustentem, abre caminho para a aplicação deste dispositivo.
Exemplos de tutela de evidência
Para um melhor entendimento, trazemos a seguir um exemplo para cada hipótese apresentada. Confira:
Exemplo para primeira hipótese: em uma ação de cobrança, o devedor é citado e, em vez de contestar o mérito da dívida, passa a alegar nulidades inexistentes, opor sucessivos embargos de declaração sem omissão ou contradição e requerer a produção de provas que não são pertinentes ao caso.
Isso configura o que é chamado de “propósito protelatório” (algo que se assemelha à “cera”, no futebol) e autoriza o credor a pedir a tutela de evidência para o pagamento imediato do valor.
Exemplo para a segunda hipótese: um servidor público ajuíza ação para receber uma gratificação. Ele anexa todos os seus holerites e a legislação pertinente (prova documental), além de demonstrar que a matéria já foi objeto de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no tribunal local, com tese favorável aos servidores.
Assim, o advogado, na petição, comprova os fatos com os documentos e aponta a aplicação obrigatória do precedente, e a tutela pode ser concedida de forma liminar.
Exemplo para a terceira hipótese: uma empresa de logística armazena produtos de um cliente e firma um contrato de depósito, mas ao final do prazo, o cliente se recusa a retirar os produtos e a pagar pela armazenagem.
A empresa de logística pode ajuizar uma ação de depósito, apresentar o contrato assinado como prova documental e pedir, em tutela de evidência, a autorização para remover os bens.
Exemplo para a quarta hipótese: o autor vende um veículo ao réu, com contrato assinado e prova de entrega do bem, mas o réu não paga as parcelas.
O autor, então, ajuíza uma ação de cobrança com o contrato e o comprovante de transferência do veículo.
Em sua contestação, o réu alega de forma genérica que “o negócio não foi bom”, mas não apresenta qualquer prova de vício no veículo ou de pagamento.
Por se tratar de uma defesa frágil e que não gera dúvida razoável, abre-se a possibilidade de o autor obter a tutela de evidência para o recebimento dos valores.
Diferença entre tutela de urgência e tutela de evidência
Como já vimos, embora ambas sejam espécies de tutela provisória, seus fundamentos e requisitos são distintos.
E, também como já vimos, a principal diferença reside na presença ou ausência do fator “urgência”, além da evidência clara de que o autor possui o direito alegado no pedido.
Tutela de urgência
- Requisito central: periculum in mora (perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo).
- Fundamento: a demora do processo pode tornar a decisão final ineficaz.
- Outro requisito: fumus boni iuris (probabilidade do direito).
- Foco: proteger o processo e o direito contra os efeitos do tempo.
- Exemplo: um paciente precisa de um medicamento de alto custo para tratamento imediato. A espera pelo fim do processo pode levar a um dano irreparável à sua saúde. Nesse caso, a urgência é o pilar do pedido.
Tutela de evidência
- Requisito central: direito evidente, com base nas hipóteses legais.
- Fundamento: a alta probabilidade do direito do autor, quase certeza, torna injusto que ele aguarde o trâmite regular.
- Dispensa de requisito: não exige a comprovação de periculum in mora.
- Foco: dar efetividade a um direito que se mostra claro desde o início ou no curso do processo.
- Exemplo: um credor cobra uma dívida com base em uma nota promissória assinada. O devedor, em sua defesa, não nega a assinatura nem alega pagamento. O direito do credor é evidente.
Nós temos aqui no JusBlog um artigo inteiramente dedicado à tutela de urgência. Confira:
Tutela de urgência: como funciona e quando pedir
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