A cada ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebe centenas de milhares de recursos especiais. Porém, apenas uma fração disso é julgada.
Isso porque o Novo Código de Processo Civil, de 2015, consolidou a função da corte como um tribunal de precedentes, não uma terceira instância de revisão.
Essa mudança de paradigma estreitou o funil de acesso a Brasília e tornou o manejo do recurso especial uma tarefa que exige técnica e precisão quase cirúrgica.
O que é recurso especial
O recurso especial (REsp) é um instrumento processual destinado ao Superior Tribunal de Justiça. Sua finalidade não é a reanálise de fatos ou provas do processo, mas a uniformização da interpretação da legislação federal em todo o território brasileiro.
Sua natureza é extraordinária, o que significa que não se presta a corrigir eventuais injustiças da decisão, mas a zelar pela correta aplicação e vigência da lei federal.
A base para essa restrição está na Súmula 7 do STJ, que veda o reexame do conjunto fático-probatório em sede de recurso especial.
Assim, o advogado deve construir sua tese recursal com base, de forma exclusiva, em questões de direito.
Ou seja, a pergunta a ser respondida pelo STJ não é “quem tem razão nos fatos?”, mas sim “o tribunal de origem aplicou corretamente a lei federal?”.
O REsp está previsto no Art. 105, inciso III, da Constituição Federal:
Art. 105. “Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(…)
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.
Quando cabe recurso especial
O cabimento do recurso especial é restrito às situações listadas no Art. 105, III, da Constituição. A decisão recorrida deve ser proferida em única ou última instância pelos Tribunais de Justiça dos estados (TJs) ou pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
As hipóteses são as seguintes:
Contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência: esta é a hipótese mais comum. Ocorre quando a decisão do tribunal de origem aplica uma lei federal de forma errada (contrariedade) ou simplesmente se recusa a aplicá-la quando deveria (negativa de vigência). O recorrente precisa indicar de modo preciso qual dispositivo de lei federal foi violado.
Julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal: situação mais específica, em que um tribunal valida uma lei ou ato normativo de um município ou estado, mesmo que esse ato confronte uma lei federal. O recurso especial busca restabelecer a supremacia da legislação federal.
Dar a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal: conhecida como dissídio jurisprudencial. Para configurar esta hipótese, o recorrente deve demonstrar que o tribunal de origem deu uma interpretação a um dispositivo de lei federal que diverge da interpretação dada por outro tribunal (outro TJ, TRF ou o próprio STJ). É obrigatória a realização do cotejo analítico, que consiste em confrontar trechos dos acórdãos para provar a semelhança fática e a diferença na solução jurídica.
Além dessas hipóteses, o recurso exige o cumprimento de requisitos gerais de admissibilidade, como o esgotamento das instâncias ordinárias e o prequestionamento explícito da matéria federal no acórdão recorrido.
Importante: recentemente, a Emenda Constitucional 125/2022 introduziu um novo filtro que é a arguição de relevância da questão de direito federal infraconstitucional, impondo ao recorrente o ônus de demonstrar que a causa ultrapassa os interesses individuais das partes.
Quem julga recurso especial
O julgamento do recurso especial ocorre em duas etapas distintas.
A primeira é o juízo de admissibilidade, realizado no tribunal de origem. O presidente ou o vice-presidente do TJ ou do TRF que proferiu a decisão recorrida analisa se os pressupostos formais do recurso estão presentes.
Nessa fase, verifica-se a tempestividade, o preparo, o prequestionamento e a correta fundamentação com base nas hipóteses do Art. 105, III, da Constituição.
Se o recurso for admitido na origem, ele é remetido ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. No STJ, ele será distribuído a um ministro relator e julgado por um de seus órgãos colegiados. A competência para o julgamento depende da matéria.
- Primeira Seção: julga matérias de Direito Público, composta pela Primeira e Segunda Turmas.
- Segunda Seção: julga matérias de Direito Privado, composta pela Terceira e Quarta Turmas.
- Terceira Seção: julga matérias de Direito Penal, composta pela Quinta e Sexta Turmas.
O julgamento final do mérito do recurso especial é, portanto, de competência exclusiva do STJ.
Agravo em recurso especial
Quando o recurso especial não passa pelo primeiro juízo de admissibilidade no tribunal de origem, ou seja, quando o presidente ou vice-presidente do TJ/TRF nega o recurso, o instrumento cabível para contestar essa decisão é o agravo em recurso especial (AREsp).
Este agravo, previsto no Art. 1.042 do CPC, é direcionado ao próprio Superior Tribunal de Justiça. Sua finalidade é destravar o recurso especial para que o STJ possa reexaminar os pressupostos de admissibilidade.
Art. 1.042. “Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.
§ 1º A petição de agravo será dirigida ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem e independe do pagamento de custas e de despesas postais, aplicando-se a ela o regime de repercussão geral e de recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento e do juízo de retratação.
§ 2º O agravado será intimado, de imediato, para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 3º Após o prazo de resposta, não havendo retratação, o agravo será remetido ao tribunal superior competente.
§ 4º O agravo será julgado pelo órgão colegiado competente para julgar o recurso especial ou o recurso extraordinário, sob a relatoria do ministro que para aquele seria sorteado, observado o disposto no regimento interno do tribunal superior.
§ 5º O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral, observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo.
§ 6º Na hipótese de interposição conjunta de recursos extraordinário e especial, o agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido.
§ 7º Havendo apenas um agravo, o recurso que não tenha sido objeto de agravo poderá ter seguimento se o relator considerar que seu exame é prejudicial ao do recurso especial ou extraordinário.
§ 8º (VETADO)
§ 9º A reconsideração da decisão de inadmissibilidade pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal de origem, com a consequente remessa do recurso especial ou do recurso extraordinário, não implicará a sua admissão pelo tribunal superior”.
A peça do agravo deve, de forma específica, atacar todos os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial.
Se a decisão de inadmissão se baseou em dois fundamentos e o agravo impugna apenas um deles, o recurso não será conhecido pelo STJ, por aplicação análoga da Súmula 182 do STJ.
Caso o agravo seja provido, o STJ passa a analisar o próprio recurso especial. Se não for provido, a decisão do tribunal de origem se torna definitiva.
Prazo para recurso especial
O prazo para a interposição do recurso especial é de quinze dias úteis, contados a partir da data de publicação do acórdão que julgou o último recurso na instância ordinária.
Existem prerrogativas de prazo em dobro para determinados entes: a Fazenda Pública (União, Estados, Municípios e suas autarquias e fundações); o Ministério Público; e a Defensoria Pública gozam do prazo de trinta dias úteis para recorrer.
Litisconsortes com procuradores diferentes, de escritórios de advocacia distintos, também se beneficiam do prazo em dobro, desde que o processo não seja eletrônico.
No caso de processo eletrônico, essa regra do prazo em dobro para advogados diferentes é afastada.
Modelo de recurso especial
A seguir, como de costume, você confere um modelo estrutural de Recurso Especial para ser adaptado às particularidades de cada caso concreto, incluindo os fundamentos específicos e o preenchimento de todos os requisitos de admissibilidade:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE (OU VICE-PRESIDENTE) DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE [ESTADO] / TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA [NÚMERO] REGIÃO.
Processo nº: [Número do Processo]
[NOME DO RECORRENTE], já qualificado nos autos do processo em epígrafe, que move em face de [NOME DO RECORRIDO], também qualificado, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seu advogado que esta subscreve, inconformado com o v. acórdão proferido pela [nº da Câmara/Turma] desse Egrégio Tribunal, interpor o presente
RECURSO ESPECIAL
com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea(s) [“a”, “c” ou ambas], da Constituição Federal, e nos artigos 1.029 e seguintes do Código de Processo Civil, pelas razões de fato e de direito expostas na peça anexa.
Requer, assim, que o presente recurso seja recebido e processado, intimando-se a parte recorrida para, querendo, apresentar suas contrarrazões no prazo legal de 15 (quinze) dias.
Após, cumpridas as formalidades legais, requer a remessa dos autos ao Colendo Superior Tribunal de Justiça para o seu devido processamento e julgamento.
Anexa a presente o comprovante de recolhimento do preparo recursal.
Termos em que,
Pede deferimento.
[Local], [data].
[Nome do Advogado]
OAB/[UF] nº [Número]
RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL
Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
Colenda Turma,
Ínclitos Ministros.
Recorrente: [NOME DO RECORRENTE]
Recorrido: [NOME DO RECORRIDO]
Origem: [Número]ª Vara Cível da Comarca de [Cidade/Estado] – Processo nº [Número do Processo]
I – DA SÍNTESE PROCESSUAL
Trata-se, na origem, de [breve e objetiva descrição da ação, ex: Ação de Indenização por Danos Morais], ajuizada pelo Recorrente em face do Recorrido, objetivando [descrever o pedido principal].
A sentença proferida pelo juízo de primeiro grau julgou [procedente/improcedente] o pedido, sob o fundamento de que [resumo do fundamento da sentença].
Inconformado, o [Recorrente/Recorrido] interpôs Recurso de Apelação, ao qual a [nº da Câmara/Turma] do Tribunal de Justiça de [Estado] deu [provimento/negou provimento], por meio de acórdão assim ementado:
[Transcrever a ementa do acórdão recorrido]
Opostos Embargos de Declaração para fins de prequestionamento, foram estes [acolhidos/rejeitados]. A decisão, contudo, merece reforma, por violar dispositivo de lei federal e/ou divergir de jurisprudência de outros tribunais, conforme se demonstrará.
II – DO CABIMENTO E DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
2.1. Da Tempestividade
O v. acórdão que julgou os embargos de declaração foi publicado em [data], sendo o prazo para interposição do presente recurso de 15 (quinze) dias úteis. Protocolado na presente data, o recurso é, portanto, tempestivo.
2.2. Do Preparo
Comprova-se o recolhimento do preparo recursal, incluindo porte de remessa e retorno, conforme guias anexas, nos termos do art. 1.007 do CPC.
2.3. Do Prequestionamento
A matéria federal objeto deste recurso foi devidamente prequestionada. O tribunal de origem debateu de forma explícita a aplicação do(s) artigo(s) [número do artigo] da Lei [Nome da Lei], conforme se observa no seguinte trecho do v. acórdão:
[Transcrever aqui o trecho exato do acórdão recorrido que debateu a questão federal e o dispositivo legal violado.]
Dessa forma, cumprido está o requisito do prequestionamento, nos termos das Súmulas 282 e 356 do STF.
2.4. Do Permissivo Constitucional (Art. 105, III)
2.4.1. Da Violação a Dispositivo de Lei Federal (Alínea “a”)
O presente recurso fundamenta-se na alínea “a” do permissivo constitucional, uma vez que o v. acórdão recorrido contrariou frontalmente o disposto no(s) artigo(s) [número do artigo] da Lei Federal nº [número da lei].
2.4.2. Do Dissídio Jurisprudencial (Alínea “c”) (SE FOR O CASO)
O recurso também se ampara na alínea “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição, visto que a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao artigo [número do artigo] da Lei [Nome da Lei] diverge daquela conferida pelo [Tribunal paradigma, ex: Tribunal de Justiça de São Paulo ou o próprio STJ].
Para demonstrar a divergência, apresenta-se o devido cotejo analítico:
- Acórdão Recorrido (TJ-[UF]): A tese adotada foi de que [resumir a tese do acórdão recorrido].
[Transcrever o trecho pertinente do acórdão recorrido] - Acórdão Paradigma (TJ-[Outro Estado] ou STJ – REsp nº XXXXX): A tese adotada, em caso fático semelhante, foi de que [resumir a tese do acórdão paradigma].
[Transcrever o trecho pertinente do acórdão paradigma, com a devida citação da fonte oficial de publicação]
Do Cotejo Analítico: Ambos os julgados partem de situação fática idêntica, qual seja, [descrever a semelhança fática]. Contudo, enquanto o acórdão recorrido aplicou a solução jurídica de [descrever a solução], o acórdão paradigma adotou entendimento diverso, qual seja, [descrever a solução divergente], o que configura o dissídio.
III – DAS RAZÕES DA REFORMA (DO MÉRITO RECURSAL)
3.1. Da Violação ao Artigo [Número] da Lei [Nome da Lei]
[Neste tópico, o advogado deve desenvolver a tese jurídica, demonstrando de forma clara e objetiva como a decisão do tribunal de origem interpretou equivocadamente ou negou vigência ao dispositivo de lei federal invocado. A argumentação deve ser estritamente jurídica, sem reexaminar fatos ou provas, sob pena de incidência da Súmula 7 do STJ.]
IV – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, o Recorrente requer que este Colendo Superior Tribunal de Justiça:
a) CONHEÇA do presente Recurso Especial, por estarem preenchidos todos os seus pressupostos de admissibilidade;
b) No mérito, dê-lhe PROVIMENTO para o fim de reformar integralmente o v. acórdão recorrido, para [descrever o pedido de reforma, ex: julgar procedente a ação inicial] ou, subsidiariamente, anular o v. acórdão por [descrever o motivo da anulação];
c) Por conseguinte, requer a inversão do ônus da sucumbência, com a condenação do Recorrido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Termos em que,
Pede deferimento.
[Local], [data].
[Nome do Advogado]
OAB/[UF] nº [Número]
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