Justiça restaurativa: conceitos, aplicações e benefícios para advogados

Entenda os conceitos da justiça restaurativa, suas aplicações práticas e os benefícios que ela oferece para a atuação dos advogados

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Com o passar dos anos, o sistema de justiça criminal tem promovido transformações em suas abordagens. 

Uma tentativa de responder aos desafios da litigiosidade em massa e buscar por soluções mais eficazes e humanas para os conflitos. E é nesse cenário que surgiu a justiça restaurativa.

Uma ferramenta que pode não só alterar o curso de um processo, como trazer resultados mais satisfatórios aos clientes. Além de também posicionar os profissionais de Direito naquilo que hoje tem sido considerado a vanguarda do direito criminal.

Por isso, neste artigo vamos explorar os fundamentos, as aplicações e as vantagens da justiça restaurativa no contexto da “advocacia moderna”

O que é justiça restaurativa

A justiça restaurativa é um modelo de resolução de conflitos que foca na reparação dos danos causados por um crime ou ato infracional. 

Diferente do sistema punitivo tradicional, seu objetivo central não é a aplicação de uma pena ao ofensor, mas a restauração das relações e do equilíbrio que haviam sido rompidos pelo delito em questão.

O método se baseia no diálogo entre as partes envolvidas: o ofensor, a vítima e, quando possível, a comunidade afetada. 

O processo é conduzido por um facilitador treinado, que cria um ambiente seguro para que todos possam expressar seus sentimentos, necessidades e perspectivas sobre o ocorrido.

A premissa é simples: o crime causa danos concretos e simbólicos. Para superá-los, é preciso que o ofensor compreenda o impacto de suas ações e assuma a responsabilidade de reparar o mal que causou. 

Já a vítima, por sua vez, tem a oportunidade de ser ouvida, de obter respostas e de participar ativamente na construção de uma solução.

Princípios da justiça restaurativa

A prática da justiça restaurativa se baseia  na voluntariedade; confidencialidade; responsabilização; além de inclusão e empoderamento.

A voluntariedade se dá pela necessidade da participação de todos os envolvidos (em especial a vítima e o ofensor) sempre livre e consciente. 

Uma premissa básica dessa prática é que ninguém pode ser coagido a participar de um encontro restaurativo. A adesão voluntária é a base de tudo. 

No que diz respeito à confidencialidade, tudo que é discutido nos encontros restaurativos precisa permanecer em sigilo. 

Tal regra é responsável por criar um espaço de confiança, onde as partes devem se sentir seguras para compartilhar informações e sentimentos, de forma que isso não possa ser usado contra elas, fora desse contexto.

Através da responsabilização, o ofensor é incentivado a compreender e a assumir a responsabilidade pelos seus atos e pelas consequências que eles geraram. 

Trata-se de um processo de reconhecimento do dano, que vai além da simples admissão de culpa formal em um processo judicial.

E, por fim, a inclusão e o empoderamento garantem que todos os afetados pelo conflito tenham voz ativa.

A vítima deixa a posição de mero objeto de prova e se torna protagonista na resolução. Já o ofensor é visto como alguém capaz de se transformar e se reintegrar. E a comunidade também pode participar para fortalecer os laços sociais.

Exemplos de justiça restaurativa no Brasil

A justiça restaurativa é uma realidade em diversas esferas do ordenamento jurídico brasileiro. Inclusive com respaldo normativo e projetos consolidados em vários tribunais do país.

A Resolução Nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é considerada o marco regulatório principal. 

Ela dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e incentiva a criação de centros e programas em todo o território nacional.

Os “círculos de construção de paz”, por exemplo, são métodos utilizados com frequência em Varas da Infância e Juventude e em casos de violência doméstica.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) é pioneiro na aplicação desta técnica. Através desses círculos, os envolvidos e membros da comunidade se reúnem para dialogar e construir soluções coletivas. 

Outra aplicação comum é a mediação vítima-ofensor: um encontro direto entre as partes, mediado por um facilitador, com o objetivo de esclarecer os fatos e acordar uma forma de reparação. 

Este método é comum em crimes de menor potencial ofensivo, em Juizados Especiais Criminais.

Existem também exemplos nos tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)onde são aplicados os princípios restaurativos em diferentes etapas do processo, desde a fase pré-processual até a execução da pena. 

Justiça restaurativa e retributiva

Apesar de serem coisas distintas, considera-se um equívoco tratar a justiça restaurativa e a retributiva como modelos opostos e excludentes. 

A verdade é que eles podem coexistir e se complementar dentro do sistema de justiça. 

Mas, apesar disso, a distinção entre eles é clara e está em seus pressupostos e objetivos. 

A justiça retributiva foca no passado tendo sua atenção voltada ao ato ilícito. Nela, o Estado assume o protagonismo, e o processo busca determinar a culpa para aplicar uma punição proporcional ao crime. 

Outro pressuposto é que a vítima tem um papel secundário, em geral como testemunha. Aqui, o crime é uma violação da lei e a justiça é a punição do infrator.

Já a justiça restaurativa foca no futuro e tem sua atenção voltada para as consequências do ato e na reparação das relações. 

Aqui, vítima, ofensor e comunidade são os protagonistas. Como já vimos, o processo busca o diálogo e o consenso para construir um plano de reparação. 

O crime é uma violação de pessoas e de relacionamentos e a justiça está na restauração do dano e na reintegração das partes.

Em resumo, enquanto o sistema retributivo isola o ofensor através da pena, o restaurativo busca sua responsabilização ativa e reintegração social. 

É possível dizer que o primeiro impõe uma solução vertical e o segundo constrói uma solução horizontal e participativa.

Benefícios da justiça restaurativa

Especialistas apontam que a justiça restaurativa possui benefícios tangíveis e consideráveis tanto para vítima quanto para aquele que é considerado a parte ofensora do processo.

Para a vítima, a justiça restaurativa oferece um espaço para ser ouvido e, mais do que isso,  para que suas necessidades sejam o centro da discussão. 

Ela permite obter respostas diretas do ofensor, o que pode reduzir o trauma e o sentimento de impotência. 

A participação ativa no processo de construção da reparação confere à vítima um empoderamento que a justiça retributiva, via de regra, não proporciona.

Já para o ofensor, o modelo abre a possibilidade de uma responsabilização real, em vez de uma punição passiva. O que pode levar a uma transformação pessoal e à redução da reincidência. 

Além disso, a participação em um procedimento restaurativo pode evitar um processo criminal e levar à extinção da punibilidade. 

Mas mesmo quando isso não ocorre, a justiça reparativa pode servir  como atenuante na aplicação da pena.

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