A Súmula 145, enunciado do Supremo Tribunal Federal, editado em 1963, é considerado até hoje um pilar na defesa das liberdades individuais contra a atividade estatal persecutória.
Ela foi a responsável por cristalizar o entendimento de que não existe crime quando a polícia prepara o flagrante de modo a tornar a consumação impossível.
Em meio a operações policiais cada vez mais complexas, além de um crescente uso de informantes, a aplicação deste conceito se torna ainda mais desafiador aos advogados, que precisam estar preparados para separar uma investigação legítima de uma indução ilícita.
Crime de flagrante preparado
O flagrante preparado, também conhecido como delito de ensaio ou crime provocado, ocorre quando um agente provocador, seja policial ou terceiro a seu mando, induz um indivíduo a cometer uma infração penal.
No flagrante preparado, o objetivo do agente provocador é efetuar a prisão em flagrante do alvo.
Trata-se de um cenário em que a vontade de cometer o delito não nasce de forma espontânea no indivíduo. Ela é semeada e estimulada pela atuação do provocador.
Nesse caso, a ação criminosa se torna, na prática, um roteiro criado pelo próprio agente da lei para prender alguém que, sem aquele estímulo, talvez nunca cometesse o ato.
A ilegalidade dessa modalidade de flagrante reside em sua natureza de crime impossível, conforme o Art. 17 do Código Penal:
Art. 17 –”Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por impropriedade absoluta do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
No flagrante preparado, o aparato de vigilância e controle montado pelo agente provocador torna a consumação do delito inviável desde o início.
O suposto criminoso nunca teve a chance real de concluir o seu intento, pois a situação estava sob completo domínio de quem o induziu.
E nesse sentido a Súmula 145 do STF é taxativa: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Flagrante forjado e preparado: quais as diferenças
Embora ambos representem ações ilegais que resultam na nulidade da prisão, o flagrante preparado e o flagrante forjado são distintos.
A confusão entre eles pode comprometer a tese defensiva, por isso a diferenciação é fundamental.
O flagrante preparado pressupõe a indução de uma ação ilegal do indivíduo. Ou seja, a pessoa é instigada a cometer um crime e assim inicia os atos executórios.
Já o flagrante forjado é mais grave: nele, o indivíduo não pratica qualquer conduta criminosa, tendo a cena do crime integralmente criada pelo agente.
Resumindo:
- Preparado: o agente induz o sujeito a cometer um crime e a pessoa pratica o ato.
- Forjado: o agente cria a prova de um crime que nunca ocorreu, sendo a pessoa inocente do ato.
No flagrante forjado, além da ilegalidade da prisão, o agente que forjou a situação comete crimes como abuso de autoridade, denunciação caluniosa ou falso testemunho, a depender do caso concreto.
Exemplos de flagrante preparado
São muitos os exemplos de situações que podem configurar um flagrante preparado.
Um caso comum envolve o crime de concussão ou corrupção passiva: vamos imaginar que agentes de uma corregedoria, com suspeitas sobre um funcionário público, enviem um colega disfarçado para oferecer dinheiro em troca de um favor.
Se o policial disfarçado insiste até que o funcionário, vencido pela insistência, aceite a vantagem, a prisão em flagrante que se segue é ilegal, já que a ideia criminosa partiu e foi alimentada pelo provocador.
Os casos mais clássicos de flagrante preparado envolvem o tráfico de drogas. Por exemplo, um policial que aborda uma pessoa e oferece dinheiro para que ela transporte uma pequena quantidade de entorpecentes para um local combinado.
Ao chegar no ponto de encontro, a polícia já a aguarda para efetuar a prisão, o que configura uma conduta arquitetada pelo aparato policial.
Por fim, no crime de furto, a situação também pode ocorrer. Imagine um segurança de loja, que deixa um objeto de valor em local visível, de fácil acesso, com uma oportunidade clara de subtração sem vigilância aparente, mas monitora a cena por câmeras.
Se o funcionário, instigado pela facilidade criada, subtrair o bem, o flagrante é considerado preparado, pois entende-se que o cenário foi montado para induzir ao erro.
Tipos de flagrante
A doutrina jurídica classifica o flagrante em diversas modalidades. Mas quando se fala de flagrante preparado, é importante diferenciá-lo de duas outras formas específicas: o flagrante esperado e o flagrante prorrogado, também chamado de retardado ou “ação controlada”.
Flagrante preparado: como já vimos, é a quando um agente induz e provoca o indivíduo a cometer o crime para poder prendê-lo. A ação do agente é a causa da conduta delituosa, tornando-o ilegal e configurando crime impossível.
Flagrante esperado: nesta hipótese, a polícia tem conhecimento prévio de que um crime irá acontecer. A informação pode vir de uma denúncia, investigação ou monitoramento. Os agentes, então, se posicionam de forma estratégica e aguardam a execução do delito para intervir e efetuar a prisão.
Ou seja, no flagrante esperado, a polícia não induz ou provoca a ação criminosa. A decisão de cometer o crime partiu do próprio indivíduo, de forma livre e espontânea e a polícia atua como espectadora vigilante, que intervém no momento oportuno.
Essa modalidade de flagrante é considerada perfeitamente legal e é uma tática comum e válida de investigação.
Flagrante prorrogado: previsto na Lei Nº 12.850/2013, consiste em retardar a intervenção policial.
O objetivo é permitir que a ação criminosa continue sob observação para que seja possível identificar mais membros da organização, coletar mais provas ou entender a estrutura do grupo.
Essa medida exige autorização judicial prévia e comunicação ao Ministério Público. É uma ferramenta de investigação qualificada, usada em casos complexos, e não se confunde com a provocação do flagrante preparado.
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