Excludente de ilicitude​: como advogar em casos de legítima defesa

Entenda como aplicar a legítima defesa como excludente de ilicitude e veja estratégias práticas para a atuação do advogado na defesa penal

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Casos que envolvem legítima defesa são considerados, por especialistas, os mais complexos e desafiadores na advocacia criminal.

Isso porque é tênue a linha que separa uma reação aceitável de um excesso passível de punição.

E nessa hora, o advogado de defesa precisa ter domínio acerca da teoria do crime, sobretudo as excludentes de ilicitude. 

Já que a defesa, nesses casos, acaba por não ser alicerçada apenas na legislação, mas em demonstrar que a ação do cliente não configura um crime. E sim o exercício do direito fundamental de se defender.

Por isso este artigo se dispõe a revisar os conceitos centrais das excludentes de ilicitude, com foco na legítima defesa, além de trazer estratégias práticas para a atuação do advogado em casos assim. 

O que é excludente de ilicitude

Antes de compreender a excludente de ilicitude, é preciso revisitar o conceito de crime na doutrina brasileira. 

O crime é, via de regra, um fato típico, ilícito e culpável. A ausência de qualquer um desses três elementos impede a caracterização da infração penal.

O fato típico é a conduta humana que se encaixa com perfeição em um tipo penal. Matar alguém, por exemplo, é um fato previsto e apontado como crime no Artigo 121 do Código Penal. Ou seja, toda ação que se encaixa em uma descrição legal é um fato típico.

A ilicitude, por sua vez, é a contrariedade desse fato típico com o ordenamento jurídico como um todo. Isso quer dizer que todo fato típico é também ilícito. 

Porém, existem situações excepcionais em que o próprio direito autoriza ou até impõe a prática de um fato típico. E nesses casos, embora típico, o ato não é considerado ilícito. 

A excludente de ilicitude, portanto, é uma causa de justificação. Funciona como a permissão legal para a prática de uma conduta que, em outras circunstâncias, seria considerada criminosa. 

Quando isso ocorre, o resultado prático é a absolvição do agente, pois não há crime sem ilicitude.

Causas excludentes de ilicitude

O Artigo 23 do Código Penal estabelece as quatro causas legais que excluem a ilicitude da conduta. Confira: 

Estado de necessidade

Ocorre quando alguém pratica um ato para salvar do perigo um direito próprio (ou de outra pessoa) e em cuja situação não era razoável exigir o sacrifício. 

O exemplo clássico é o da pessoa que, para não morrer de fome, furta alimentos. Os requisitos são: perigo atual e inevitável, ameaça a direito próprio ou de terceiro, e a inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

Estrito cumprimento de dever legal

Esta causa de justificação se aplica, em geral, a agentes públicos. A conduta, embora típica, é realizada no exercício de uma obrigação imposta por lei. O exemplo mais clássico é o do policial que, ao utilizar a força necessária para efetuar uma prisão em flagrante, pratica um fato típico de lesão corporal ou constrangimento, mas sua conduta ainda assim é lícita.

Exercício regular de direito

Ocorre quando o agente atua nos limites de um direito que lhe é conferido. A violência desportiva, como um soco em uma luta de boxe que causa lesão, é um exemplo. A conduta é lícita porque está amparada pelas regras do esporte e pelo consentimento do ofendido.

Legítima defesa

Excludente mais conhecida e difundida (e também abordagem principal deste artigo) a legítima defesa é a que gera mais debates. 

Segundo o Artigo 25 do Código Penal, entende-se por legítima defesa quem, com uso moderado dos meios necessários, evita uma agressão considerada injusta, atual ou iminente, para defender-se ou defender outra pessoa. 

Para que seja configurada a legítima defesa, é preciso que haja a presença simultânea de todos os seus requisitos:

  • Agressão injusta: a agressão deve ser humana e contrária ao direito. Não se pode alegar legítima defesa contra uma agressão justa, como a ação de um policial que cumpre um mandado de prisão, por exemplo.
  • Atual ou iminente: a agressão precisa estar em curso (atual) ou prestes a ocorrer (iminente). Não cabe legítima defesa contra uma agressão passada ou uma ameaça futura e incerta. 
  • Uso moderado dos meios necessários: este é considerado o ponto mais sensível. Pois “meios necessários” são aqueles de que o agente dispõe no momento da agressão. Já a “moderação” reside no uso do “meio necessário”, mas sem excessos. De forma suficiente para evitar ou acabar com a agressão. 
  • Defesa de direito próprio ou de terceiro: a proteção pode visar a própria vida, integridade física, mas também o patrimônio ou qualquer outro bem jurídico.
  • Conhecimento da situação justificante (animus defendendi): o agente deve ter a consciência de que age para se defender. Se ele atira em seu inimigo sem saber que a vítima estava prestes a atacá-lo, por exemplo, a justiça nega a possibilidade de reconhecer legítima defesa. 

Diferença entre excludente de ilicitude e excludente de culpabilidade

A confusão entre esses dois institutos é comum, mas suas consequências processuais e materiais são distintas. 

A excludente de ilicitude, como já vimos, afasta o caráter criminoso do fato. A conduta é considerada lícita aos olhos da lei. Com isso, o resultado é a absolvição do réu. 

E, como regra geral, quando uma conduta lícita não deve gerar o dever de indenização em ação posterior na esfera cível. 

Ou seja, quem age em legítima defesa, sem excesso, não comete crime e, portanto, não precisa reparar dano algum.

Já a excludente de culpabilidade não torna o fato lícito. O fato permanece típico e ilícito, ou seja, a conduta continua a ser considerada um crime perante a lei. 

Nesse caso, que se exclui é a reprovação sobre o autor. Ou seja, o juiz, ou o juri, entende que, dadas as circunstâncias, não era possível exigir do agente uma conduta diferente.

Entre as principais causas que excluem a culpabilidade estão:

  • Inimputabilidade por doença mental:  o agente não tem capacidade de entender o caráter ilícito do fato.
  • Coação moral irresistível: o agente é forçado a cometer o crime sob grave ameaça.
  • Obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico: o subordinado cumpre uma ordem que aparenta ser legal.
  • Erro de proibição inevitável: o agente não tinha como saber que sua conduta era proibida.

A principal diferença prática está nos efeitos da decisão. Na excludente de ilicitude, o réu é absolvido e, como já vimos, não há responsabilidade civil. 

Na excludente de culpabilidade, o réu também é absolvido. Porém, como o fato permanece ilícito, pode haver a obrigação em reparar o dano na esfera cível. 

Além disso, no caso de inimputabilidade, a absolvição é considerada “imprópria”, já que acarreta a imposição de uma medida de segurança.

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