A necessidade por velocidade nas transações e a busca por flexibilidade são os principais fatores que motivam a utilização de um “contrato de gaveta”.
Embora eles sejam utilizados em contratos societários, de prestação de serviços ou de transferência de bens móveis, no Brasil, sua principal ocorrência se dá no setor imobiliário.
Estima-se que todo ano, milhões de imóveis sejam transacionados sem a devida formalização em cartório, no país.
Mas essa prática que parece uma alternativa rápida e econômica à primeira vista, pode se transformar em um labirinto jurídico complexo, provocando dores de cabeça e prejuízos consideráveis para todas as partes envolvidas, independentemente do setor.
E é por isso que neste artigo vamos tratar dos contratos de gaveta: o que são, como funcionam e se possuem validade jurídica.
O que é contrato de gaveta
Contrato de gaveta é um acordo particular, geralmente escrito, que estabelece a transferência de direitos e obrigações.
Como já vimos, no Brasil essa situação é mais comum no setor imobiliário, para tratar de imóveis financiados, sem a devida formalização perante os órgãos públicos competentes.
Ou seja, a transação não é registrada em cartório e não há alteração na matrícula do imóvel.
O nome “de gaveta” vem de sua característica principal: o documento fica guardado, sem publicidade, entre as partes.
Esse tipo de contrato surge, via de regra, da necessidade de agilizar uma venda ou de contornar burocracias e custos de um financiamento imobiliário.
Como funciona contrato de gaveta
Quando se trata de um contrato de gaveta de bem imóvel, o comprador assume o compromisso de pagar as parcelas restantes do financiamento diretamente ao vendedor, ou à instituição financeira, sem que esta tenha conhecimento formal da transferência.
As partes geralmente assinam um instrumento particular que detalha as condições da venda, o valor total e a forma de pagamento.
O vendedor permanece como o proprietário legal do imóvel perante o banco e o registro de imóveis. O comprador, por sua vez, passa a ter a posse do bem e a responsabilidade pelas obrigações financeiras.
O objetivo final é que, após a quitação do financiamento, o vendedor promova a transferência definitiva da propriedade para o comprador. O que gera incertezas e perigos jurídicos.
Já em uma sociedade empresarial, o contrato de gaveta pode ser utilizado para firmar uma sociedade entre duas pessoas sem que a alteração no quadro societário seja devidamente registrada na Junta Comercial.
Os sócios podem celebrar um instrumento particular estabelecendo a divisão de quotas, a distribuição de lucros, as responsabilidades de cada um e outras condições do negócio.
Contudo, perante a Junta Comercial e terceiros (como bancos, fornecedores ou credores), a composição societária oficial permanece inalterada.
Isso pode significar que um “sócio de gaveta” não terá direitos formais ou voz legal na empresa sem antes judicializar a situação.
A parte que consta formalmente no contrato social responde integralmente pelas obrigações da empresa, enquanto o sócio de gaveta opera em uma zona de incerteza quanto aos seus direitos e deveres perante a sociedade e terceiros.
Contrato de gaveta tem validade jurídica
A validade jurídica do contrato de gaveta gera muitas dúvidas. Entre as partes que o assinaram, o contrato pode ter validade, criando obrigações e direitos recíprocos.
Isso significa que, em caso de descumprimento, uma parte pode acionar a outra judicialmente para exigir o cumprimento do acordo.
Contudo, essa validade é limitada. Para terceiros, como a instituição financeira que concedeu um financiamento, ou mesmo outros credores do vendedor, por exemplo, o contrato de gaveta não produz efeitos.
O banco continua a reconhecer o vendedor como o devedor e proprietário do imóvel. Se o vendedor falecer, for executado por dívidas ou se tornar inadimplente com o financiamento original, o comprador pode perder o imóvel e o dinheiro investido.
Quando se trata de jurisprudência, ela tem se inclinado a reconhecer a validade do contrato de gaveta entre as partes, especialmente quando há prova de quitação do financiamento e boa-fé do comprador.
No entanto, a necessidade de recorrer ao judiciário para garantir direitos torna o processo custoso e demorado.
No caso de contratos de gaveta societários, a ausência de registro do contrato de gaveta na Junta Comercial também impede sua eficácia perante terceiros.
Isso significa que para bancos, fornecedores, credores ou até mesmo órgãos reguladores, a composição societária formalmente registrada é a única válida.
Isso porque, o “sócio de gaveta” não possui poderes de representação legal da empresa e não tem seus direitos e obrigações reconhecidos publicamente.
Em caso de litígio, o sócio de gaveta precisa provar judicialmente sua condição para exercer direitos, como a participação nos lucros ou a voz em decisões.
Além disso, a responsabilidade perante terceiros recai sobre os sócios formalmente registrados, expondo-os a riscos maiores, enquanto o sócio de gaveta pode ter dificuldades para defender-se de responsabilidades que lhe caberiam.
A morte ou retirada de um sócio formal também pode desestruturar o acordo de gaveta, gerando disputas.
Modelo de contrato de gaveta
A seguir, deixamos um modelo de contrato de gaveta de venda de imóvel, que pode ser adaptado a necessidades específicas e objetivo do contrato a ser confeccionado. Confira:
INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FINANCIADO COM CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES
Pelo presente instrumento particular, de um lado:
VENDEDOR(ES):
Nome completo: [Nome completo do Vendedor(es)]
Nacionalidade: [Nacionalidade]
Estado Civil: [Estado Civil]
Profissão: [Profissão]
RG: [Número do RG], expedido por [Órgão Expedidor]
CPF/MF: [Número do CPF]
Endereço: [Endereço completo]
E de outro lado:
COMPRADOR(ES):
Nome completo: [Nome completo do Comprador(es)]
Nacionalidade: [Nacionalidade]
Estado Civil: [Estado Civil]
Profissão: [Profissão]
RG: [Número do RG], expedido por [Órgão Expedidor]
CPF/MF: [Número do CPF]
Endereço: [Endereço completo]
As partes acima qualificadas têm, entre si, justo e contratado o presente INSTRUMENTO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FINANCIADO COM CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, mediante as cláusulas e condições seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA – DO OBJETO
O VENDEDOR(ES) é(são) legítimo(s) proprietário(s) e possuidor(es) do imóvel situado na [Endereço completo do imóvel], [Cidade], [Estado], CEP [CEP], devidamente matriculado sob o número [Número da Matrícula] no [Número] Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de [Comarca], imóvel este que se encontra financiado junto à [Nome da Instituição Financeira], sob o contrato número [Número do Contrato de Financiamento].
CLÁUSULA SEGUNDA – DO VALOR E DA FORMA DE PAGAMENTO
2.1. O valor total da presente transação é de R$ [Valor total em números] ([Valor total por extenso] reais).
2.2. O COMPRADOR(ES) pagará(ão) ao VENDEDOR(ES) a quantia de R$ [Valor da entrada/sinal em números] ([Valor da entrada/sinal por extenso] reais) a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura deste instrumento, mediante [Forma de pagamento: Pix, TED, depósito, etc.], cujos comprovantes serão parte integrante deste contrato.
2.3. O saldo remanescente, no valor de R$ [Saldo remanescente em números] ([Saldo remanescente por extenso] reais), corresponde à assunção, pelo COMPRADOR(ES), das parcelas vincendas do financiamento imobiliário mencionado na Cláusula Primeira.
2.4. O COMPRADOR(ES) compromete-se(m) a efetuar o pagamento das parcelas do financiamento diretamente à instituição financeira, a partir da parcela com vencimento em [Data do primeiro vencimento assumido pelo Comprador], até a quitação integral do saldo devedor.
2.5. O VENDEDOR(ES) fornecerá(ão) ao COMPRADOR(ES) todos os dados necessários para o pagamento das parcelas, bem como os comprovantes de pagamentos anteriores.
CLÁUSULA TERCEIRA – DA POSSE E OBRIGAÇÕES
3.1. A posse do imóvel será transferida ao COMPRADOR(ES) na data da assinatura deste instrumento.
3.2. A partir da data da transferência da posse, o COMPRADOR(ES) assumirá(ão) integralmente todas as despesas e encargos incidentes sobre o imóvel, incluindo, mas não se limitando a, IPTU, taxas condominiais, consumo de água, luz, gás e demais contas de consumo.
3.3. O COMPRADOR(ES) se compromete(m) a manter o imóvel em bom estado de conservação e a cumprir todas as obrigações relativas ao financiamento, evitando qualquer inadimplência que possa prejudicar o VENDEDOR(ES).
CLÁUSULA QUARTA – DA IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE
As partes declaram que o presente contrato é celebrado em caráter irrevogável e irretratável, obrigando-as por si, seus herdeiros e sucessores, a qualquer título.
CLÁUSULA QUINTA – DA REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE
5.1. Após a quitação integral do financiamento imobiliário pelo COMPRADOR(ES), o VENDEDOR(ES) se compromete(m) a providenciar a baixa da hipoteca e a outorga da escritura pública definitiva de compra e venda do imóvel em favor do COMPRADOR(ES) ou de quem este(s) indicar(em), arcando com as custas e impostos relativos à sua parte no processo de transmissão.
5.2. O COMPRADOR(ES) arcará(ão) com as custas e impostos referentes à sua parte na lavratura da escritura pública e no registro da mesma no Cartório de Registro de Imóveis.
5.3. Caso o VENDEDOR(ES) se recuse(m) a outorgar a escritura pública após a quitação do financiamento, o COMPRADOR(ES) poderá(ão) pleitear a adjudicação compulsória do imóvel judicialmente.
CLÁUSULA SEXTA – DA RESPONSABILIDADE CIVIL E RISCOS
6.1. O COMPRADOR(ES) declara(m) ter plena ciência de que o financiamento imobiliário permanece em nome do VENDEDOR(ES) perante a instituição financeira.
6.2. As partes reconhecem os riscos inerentes à não formalização imediata da transferência do financiamento junto à instituição financeira, incluindo a possibilidade de o banco não anuir com a cessão de direitos e obrigações.
6.3. O VENDEDOR(ES) se compromete(m) a notificar imediatamente o COMPRADOR(ES) sobre qualquer comunicação da instituição financeira relativa ao financiamento do imóvel.
6.4. O COMPRADOR(ES) assume(m) a responsabilidade por qualquer ônus ou gravame que venha a ser imposto sobre o imóvel decorrente de sua má gestão ou inadimplência com as obrigações assumidas neste contrato.
CLÁUSULA SÉTIMA – DAS PENALIDADES
7.1. Em caso de descumprimento de qualquer cláusula do presente contrato por uma das partes, a parte infratora pagará à parte inocente multa equivalente a [Percentual]% do valor total do imóvel, sem prejuízo de outras medidas cabíveis.
CLÁUSULA OITAVA – DO FORO
As partes elegem o foro da Comarca de [Comarca], [Estado], para dirimir quaisquer dúvidas ou litígios decorrentes do presente contrato, renunciando a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.
E, por estarem assim justos e contratados, assinam o presente instrumento em 3 (três) vias de igual teor e forma, na presença das duas testemunhas abaixo, para que produza seus efeitos legais.
[Cidade], [Dia] de [Mês] de [Ano].
VENDEDOR(ES):
[Nome completo do Vendedor(es)]
COMPRADOR(ES):
[Nome completo do Comprador(es)]
TESTEMUNHAS:
- Nome: _____________________________
CPF: _____________________________ - Nome: _____________________________
CPF: _____________________________
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