A cadeia de custódia é considerada um dos pilares do Direito Penal. É ela quem assegura que as provas coletadas permaneçam íntegras e confiáveis ao longo de todo o processo criminal.
No Brasil, a cadeia de custódia é regulamentada pelo Código de Processo Penal, e o descumprimento de suas regras pode comprometer a validade da prova e resultar na absolvição de um acusado, mesmo que haja indícios de culpa.
Neste artigo, vamos explorar o conceito da cadeia de custódia, suas etapas, e também as consequências da quebra desse procedimento, além de verificar como diferentes países tratam essa questão.
O que é cadeia de custódia
A cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos adotados para garantir a rastreabilidade, integridade e autenticidade de uma prova penal.
Ela abrange desde a coleta até a apresentação das provas em juízo, e se baseia na premissa de que qualquer alteração indevida em uma evidência pode comprometer sua confiabilidade, permitindo o questionamento de sua idoneidade por parte da defesa.
Essa necessidade de documentar todas as movimentações da prova é prevista na legislação. O que inclui registros sobre coleta, armazenamento, transporte e análise pericial.
A principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que a prova analisada pelo perito seja a mesma coletada no local do crime, evitando que fraudes ou equívocos prejudiquem a investigação criminal.
O Artigo 158-A do Código de Processo Penal é que define formalmente a cadeia de custódia e estabelece suas diretrizes:
Art. 158-A. “Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica da evidência coletada em locais ou em vítimas de infrações penais, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.”
Etapas da cadeia de custódia
A cadeia de custódia deve seguir um processo rigoroso para manter a segurança e a credibilidade das provas.
E, assim, o Código de Processo Penal define etapas específicas que devem ser seguidas pelos agentes responsáveis.
Reconhecimento: a primeira etapa é o reconhecimento da prova no local do crime. Nela, o agente identifica quais elementos possuem relevância para a investigação. Entre os itens potencialmente coletáveis estão objetos, vestígios biológicos, documentos, gravações e imagens.
Coleta: a coleta envolve a retirada da prova do local do crime, o que deve ser realizado com técnicas adequadas para evitar contaminação ou alteração da evidência. Os agentes devem seguir protocolos específicos, como o uso de luvas, envelopes lacrados e etiquetas de identificação.
Acondicionamento: o acondicionamento é a fase em que a prova é armazenada de forma segura com o objetivo de impedir danos que possam comprometer sua integridade. Para isso, são utilizadas embalagens invioláveis e recipientes adequados ao tipo de material coletado.
Transporte: o transporte deve ser realizado de maneira que garanta a preservação da prova e, durante esse processo, a evidência deve ser protegida contra perdas, extravios ou manipulação indevida. Além disso, o registro do percurso e dos responsáveis pelo transporte é essencial para a rastreabilidade da cadeia de custódia.
Recebimento: o recebimento ocorre quando a prova chega ao órgão responsável por analisá-la. Nesse momento, o perito deve conferir a embalagem e verificar se houve violação ou alteração no material. Caso haja qualquer irregularidade, o problema deve ser documentado e comunicado imediatamente.
Análise pericial: nessa etapa, os peritos realizam exames para determinar a autenticidade e relevância da prova. A análise deve seguir métodos científicos e ser devidamente documentada em laudos. Qualquer interferência indevida pode resultar na contestação da prova em juízo.
Armazenamento: após a análise, a prova deve ser armazenada de forma segura até sua utilização no processo judicial. Nessa etapa, o controle de acesso deve ser rigoroso para evitar manipulações indevidas.
Apresentação em juízo: por fim, a prova é apresentada em juízo para ser utilizada no julgamento. Além disso, o histórico completo da cadeia de custódia deve ser documentado para garantir sua validade processual.
Quebra da cadeia de custódia
A quebra da cadeia de custódia ocorre quando alguma etapa do processo é comprometida, gerando dúvidas sobre a integridade e autenticidade da evidência.
Isso pode resultar na invalidação da prova e impactar diretamente o desfecho do caso, prejudicando a administração da justiça.
Consequências jurídicas
Como já vimos, quando a cadeia de custódia é violada, a defesa pode requerer a exclusão da prova do processo penal, sob o argumento de que a integridade da evidência foi comprometida.
Ou seja, a nulidade de provas cuja custódia foi quebrada pode levar à absolvição do réu. Casos de manipulação inadequada, contaminação ou falhas documentais podem enfraquecer a credibilidade do conjunto probatório apresentado.
Exemplos práticos de atos que configuram quebra da cadeia de custódia
Entre os atos mais comuns que configuram a quebra da cadeia de custódia, destacam-se:
Falta de registro adequado: ausência ou imprecisão na documentação que descreva o manuseio da prova, como horários, responsáveis e condições de armazenamento. Essa falha impede a verificação do trajeto da evidência e pode gerar dúvidas quanto à sua autenticidade.
Armazenamento inadequado: provas armazenadas em condições que não preservam sua integridade, como ambientes com temperaturas extremas, umidade inadequada ou em recipientes não selados. Tais condições podem levar à deterioração ou contaminação dos vestígios.
Manipulação por pessoas não autorizadas: quando indivíduos que não fazem parte do processo oficial de custódia têm acesso à prova, seja para investigá-la informalmente ou por mero descuido, há risco de alteração ou contaminação do material.
Erros na coleta: procedimentos de coleta realizados sem a observância de protocolos de segurança, como a não utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs), que podem resultar na contaminação ou na perda de informações cruciais para a análise.
Falhas no transporte: utilização de meios de transporte sem os devidos cuidados, como a ausência de selos de segurança ou a falta de registro do trajeto, que permite a manipulação ou o extravio da evidência durante seu deslocamento.
Cadeia de custódia em outros países
A cadeia de custódia é um conceito presente em diversos ordenamentos jurídicos, mas as práticas e os mecanismos de controle variam de forma significativa entre os países, de acordo com as diferenças culturais, tecnológicas e estruturais nos sistemas judiciais.
No caso do sistema judiciário brasileiro, são incorporados aspectos do modelo europeu, como a ênfase na documentação minuciosa e no registro contínuo de todas as etapas do manuseio da prova.
Ao mesmo tempo, o Brasil também se beneficia de práticas norte-americanas, sobretudo no que diz respeito à utilização de tecnologias modernas para a rastreabilidade.
O Código de Processo Penal brasileiro, por exemplo, já prevê dispositivos que lembram as práticas adotadas em países com sistemas jurídicos consolidados.
O Artigo 158-A, que já vimos aqui, enfatiza a necessidade de manter a integridade da evidência, desde o reconhecimento até o descarte, de forma que garanta um trajeto da prova totalmente rastreável.
Mas ter sua cadeia de custódia baseada em sistemas judiciários mais avançados, como Europa e Estados Unidos, traz desafios na implementação prática. Sobretudo quando os recursos e capacidade técnica podem variar significativamente entre as diferentes regiões.
Confira como funciona a cadeia de custódia em alguns países que inspiram o sistema brasileiro:
Estados Unidos: o sistema jurídico norte-americano exige a documentação detalhada de cada etapa de manuseio da prova.
Além disso, é comum a auditoria externa e o uso de tecnologias avançadas, como selos eletrônicos, câmeras de segurança e sistemas de rastreamento digital, para assegurar a integridade dos itens coletados.
França: na França, a responsabilidade pela custódia da prova é compartilhada entre diversas instituições, como as forças policiais e os órgãos judiciais.
Essa divisão de funções permite que haja um sistema de pesos e contrapesos, onde a verificação cruzada entre os setores auxilia na manutenção da integridade da prova.
Alemanha: o sistema alemão conta com protocolos rígidos para a coleta e armazenamento de evidências, e a tecnologia desempenha um papel fundamental na rastreabilidade dos itens.
Além disso, o modelo alemão possui mecanismos de verificação interna que garantem que qualquer desvio dos procedimentos estabelecidos seja rapidamente identificado e corrigido, mantendo a integridade das provas.
Como garantir a integridade da prova
Garantir a integridade da prova é uma tarefa que exige a cooperação entre diversos profissionais e a adoção de medidas tecnológicas e procedimentais rigorosas. Confira:
Padronização dos procedimentos: todos os agentes envolvidos (desde a coleta até a apresentação em juízo) devem seguir protocolos padronizados. Isso minimiza a margem para erros e torna o processo passível de auditoria.
Capacitação contínua: investir em treinamento constante para peritos, policiais e técnicos assegura que os procedimentos sejam atualizados conforme as melhores práticas internacionais e inovações tecnológicas.
Uso de tecnologia: a implementação de sistemas de rastreamento digital, selos eletrônicos e câmeras de segurança ajuda a registrar cada movimentação da prova. Essa tecnologia não só documenta as etapas, mas também dificulta a manipulação indevida.
Documentação minuciosa: é preciso manter registros detalhados e cronológicos de todas as ações realizadas sobre a evidência. E cada etapa deve ser registrada com informações sobre data, hora, local e responsáveis.
Auditorias e verificações: auditorias internas e externas periódicas são devem ser realizadas para identificar possíveis falhas e garantir que o sistema de custódia esteja funcionando conforme os padrões exigidos.
Ambientes controlados: como já vimos, o armazenamento da prova deve ocorrer em ambientes controlados, com monitoramento de temperatura, umidade e acesso restrito, garantindo condições ideais para a preservação da evidência.
Colaboração interinstitucional: a integração entre diferentes órgãos (como polícia, peritos e o sistema judicial) favorece a troca de informações e a correção rápida de eventuais falhas.
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