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Boa fé objetiva: como os tribunais estão aplicando esse princípio?

Entenda como os tribunais brasileiros têm aplicado o princípio da boa-fé objetiva, seus impactos nos contratos e nas decisões judiciais atuais

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A boa fé objetiva é um dos pilares do direito contemporâneo, sendo utilizada para garantir equidade nas relações jurídicas. 

Trata-se de um princípio que vai além da ética individual e visa estabelecer padrões de conduta que favoreçam a confiança e a segurança jurídica.

Os tribunais brasileiros têm dado ênfase crescente à aplicação desse princípio, especialmente em matérias contratuais, consumeristas e obrigacionais.

Mas o que exatamente significa a boa fé objetiva e como ela difere da boa fé subjetiva? É o que veremos neste artigo que também analisa como os tribunais aplicam o conceito na prática.

O que é boa fé objetiva?

A boa fé objetiva é um princípio que determina um comportamento leal, honesto e colaborativo nas relações jurídicas. Não se trata apenas de intenções individuais, mas de uma conduta concreta e observável.

Diferentemente de valores éticos subjetivos, a boa fé objetiva impõe padrões de comportamento a todos os envolvidos. Ela exige que as partes ajam com transparência, não prejudiquem o outro e evitem abusos.

O Código Civil brasileiro consagra esse princípio em diversos dispositivos, como o artigo 422, e o 133, por exemplo: 

Art. 422 do Código Civil. “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e da boa fé”

Art. 113 do Código Civil.  “Nas declarações de vontade, considerar-se-á também o sentido que corresponda à boa fé e aos usos do lugar de sua celebração”. 

Na prática, isso significa que não basta cumprir obrigações de forma literal; é necessário respeitar o contexto da relação e agir de maneira justa. 

Um bom exemplo são as relações de consumo, em que a omissão de informações importantes a um cliente pode ser considerada uma violação da boa fé objetiva, mesmo que esteja cumprindo formalmente as regras contratuais.

A relevância da boa fé objetiva transcende as relações contratuais, sendo aplicável também em outras áreas do Direito, como a responsabilidade civil, as relações de consumo e os direitos reais. 

Por isso, entender seus fundamentos é essencial para interpretar e aplicar as normas jurídicas de maneira eficaz.

Princípio da boa fé objetiva

O princípio da boa fé objetiva atua como um limitador e orientador no Direito. Ele busca equilibrar interesses e evitar condutas que desvirtuem o espírito de colaboração entre as partes.

A função limitadora se manifesta, por exemplo, quando impede o exercício abusivo de direitos. Já a função orientadora se revela ao impor um padrão de comportamento ético, prevendo o dever de cooperação e transparência.

Os tribunais aplicam a boa fé objetiva em situações como renegociação de contratos, revisão de cláusulas e cumprimento de deveres anexos. Essas situações exigem das partes mais do que a simples observância das cláusulas formais.

Um exemplo clássico é a teoria dos atos próprios, que impede uma parte de adotar comportamentos contraditórios. 

Uma empresa, por exemplo, não pode se beneficiar de uma cláusula contratual que previamente havia ignorado em outra ocasião. 

Essa teoria é fundamentada pela necessidade de estabilidade nas relações jurídicas, algo que o princípio da boa fé objetiva garante.

Outra aplicação importante é o conceito de deveres anexos. Além das obrigações principais previstas no contrato, as partes devem observar deveres como informação, cuidado e sigilo. Deveres fundamentais para assegurar uma relação equilibrada e justa.

A jurisprudência brasileira tem destacado a relevância desse princípio em áreas como o Direito do Consumidor, onde as relações são marcadas por desequilíbrio de forças. 

Um exemplo claro disso é o Recurso Especial N.º 1.634.851/MG, em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a boa fé objetiva como fundamento para afastar uma cláusula contratual que prejudicava o consumidor de maneira desproporcional.

Boa fé objetiva nos contratos

Nos contratos, a boa fé objetiva garante que o acordo seja cumprido não apenas na letra, mas também no “espírito”. Isso inclui deveres como informação, lealdade e cooperação.

O princípio se manifesta em todas as fases contratuais: formação, execução e término. Durante a formação, por exemplo, as partes têm o dever de esclarecer condições e evitar omissões que prejudiquem o outro. 

Exemplo: uma imobiliária, ao vender um imóvel, deve informar claramente sobre eventuais dívidas pendentes, como IPTU em atraso, sob pena de violar a boa fé objetiva.

Na execução, a boa fé objetiva previne o abuso de cláusulas contratuais e promove o cumprimento de deveres anexos. Além disso, incentiva soluções consensuais para conflitos que possam surgir. 

Outro exemplo prático é o caso de contratos bancários com cláusulas que permitem a revisão judicial de juros abusivos, onde o banco é obrigado a agir com transparência. 

Isso é tão comum que os tribunais frequentemente citam a boa fé objetiva em disputas sobre cláusulas abusivas. 

Em contratos de consumo, por exemplo, fornecedores têm o dever de agir com transparência, especialmente quando lidam com consumidores vulneráveis. 

Um caso relevante foi o julgamento do STJ no REsp 1.515.895/RS, em que uma operadora de plano de saúde foi condenada por reajustar mensalidades sem avisar adequadamente os consumidores.

Mais um exemplo prático está nos contratos de locação. O locador e o locatário devem observar a boa fé objetiva, respeitando os termos pactuados e mantendo a manutenção do imóvel em condições adequadas. 

Em caso de inadimplência, é esperado que ambas as partes busquem soluções razoáveis antes de recorrer ao litígio. 

Isso quer dizer que, se um locador que se recusa a renegociar um aluguel durante uma crise econômica, por exemplo, pode ser considerado como agindo contra o princípio da boa fé objetiva.

A boa fé objetiva também tem papel crucial na interpretação de contratos. Quando há ambiguidades, os tribunais tendem a interpretar de forma a favorecer a parte mais vulnerável, alinhada aos princípios de justiça e equidade. 

Isso está alinhado ao artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, que determina que cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Art. 47 do Código de Defesa do Consumidor.As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”

Diferença entre boa fé objetiva e subjetiva

A boa fé objetiva e subjetiva são conceitos diferentes, mas considerados complementares. Enquanto a boa fé objetiva trata de comportamentos observáveis, a boa fé subjetiva foca na intenção interna da parte.

Em termos práticos, a boa fé subjetiva avalia se a parte tinha consciência de estar agindo de forma contrária ao Direito. Já a objetiva, como já vimos, exige que a conduta respeite padrões éticos reconhecidos pela sociedade.

Essa diferença é relevante em diversos contextos. Em casos de vícios ocultos em produtos, por exemplo, o consumidor pode ter agido de boa fé subjetiva ao não perceber o defeito. 

Porém, é a boa fé objetiva do fornecedor que determina se houve omissão de informações essenciais. Um fornecedor que omite deliberadamente informações sobre defeitos em um produto está violando o princípio da boa fé objetiva, independentemente da intenção subjetiva.

Os tribunais têm valorizado mais a boa fé objetiva, pois ela é aplicável de forma generalizada. Isso permite um maior grau de previsibilidade e justiça nas decisões judiciais. 

No já citado julgamento do REsp 1.483.620/RS, o STJ reiterou que o princípio da boa fé objetiva deve ser observado em todas as relações contratuais, independentemente da boa fé subjetiva das partes.

Outro ponto importante é que a boa fé subjetiva tem um caráter mais restrito, muitas vezes analisado em processos criminais ou de responsabilidade civil. 

Já a boa fé objetiva se expande para todo o universo jurídico, incluindo o Direito do Trabalho e o Direito Administrativo. 

Um exemplo prático no Direito Administrativo é a proteção ao administrado de boa fé em casos de erro da administração pública, como no recebimento indevido de valores salariais.

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