Em 1994, quando a Lei Nº 8.906 instituiu o Estatuto da Advocacia e da OAB, o Brasil contava com cerca de 150 mil advogados inscritos na Ordem.
Hoje, este número ultrapassa 1,3 milhão e o aumento exponencial de profissionais intensificou a competição. Com ela, veio também a pressão sobre a precificação dos serviços jurídicos.
Nesse cenário, o debate sobre o aviltamento de honorários deixou de ser secundário para se tornar um ponto central na defesa da sustentabilidade e da dignidade da advocacia.
A fixação de valores irrisórios, seja no âmbito contratual ou judicial, representa um desafio direto à natureza alimentar da verba e ao reconhecimento do trabalho técnico do advogado.
O que é aviltamento de honorários
O aviltamento de honorários ocorre quando a remuneração fixada para o advogado se mostra irrisória, desproporcional à complexidade do trabalho e incompatível com a dignidade da profissão.
O conceito não se confunde com a fixação de um valor baixo, mas sim com um valor que deprecia, humilha e desvaloriza a atividade jurídica exercida.
A questão transcende a mera relação financeira e atinge o núcleo da advocacia como função essencial à administração da justiça.
A base normativa para combater essa prática está, como já vimos, no Estatuto da Advocacia e da OAB e no Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
Claro. Aqui está o texto completo do Artigo 22 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), com suas atualizações mais recentes:
Art. 22. “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.
§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
§ 3º Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o restante no final.
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou omissão praticada no exercício da profissão.
§ 6º Os honorários advocatícios devidos em decorrência da atuação em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo aos honorários contratuais, devem ser fixados de forma equitativa pelo juiz, nos casos em que a condenação da parte vencida vier a ser fixada em montante inferior ao da pretensão deduzida na inicial, ou nos casos de acordo para o encerramento da lide.
§ 7º Os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual poderão prever a dedução do montante a ser recebido pelo substituído a título de honorários contratuais”.
Em resumo, o que este artigo estabelece:
Três tipos de honorários: garante ao advogado o direito a três fontes de remuneração: os convencionados (combinados em contrato com o cliente); os de sucumbência (pagos pela parte perdedora no processo) e os fixados por arbitramento judicial (quando não há contrato escrito).
Parâmetro mínimo: define a tabela da OAB como o piso para a fixação de honorários por arbitramento judicial.
Pagamento direto: permite que o advogado receba seus honorários contratuais diretamente do valor a ser pago ao cliente no processo (precatório ou alvará), desde que junte o contrato aos autos antes da expedição.
Atuação dativa: assegura o pagamento de honorários pelo Estado ao advogado que atua como defensor dativo (na ausência da Defensoria Pública), conforme a tabela da OAB.
Já a natureza alimentar desses honorários é reconhecida pelo CPC, equiparando-os aos créditos de natureza trabalhista.
Aqui está o texto do parágrafo 14 do Artigo 85 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015):
Art. 85, § 14. “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.
Este parágrafo estabelece três pontos fundamentais para a advocacia:
Natureza alimentar: equipara os honorários advocatícios a verbas como salários e pensões. Isso significa que eles são essenciais para o sustento do advogado e de sua família.
Privilégio de crédito: em razão da natureza alimentar, os honorários têm preferência no recebimento em casos de falência ou recuperação judicial do devedor, ficando na mesma categoria de prioridade dos créditos trabalhistas.
Vedação da compensação: proíbe que, em um processo onde ambas as partes perdem e ganham em alguma medida (sucumbência parcial); os honorários devidos a um advogado sejam “descontados” ou “abatidos” dos honorários que a outra parte deve ao outro advogado. Cada verba deve ser paga de forma autônoma e integral.
O CPC também detalha os critérios que o juiz deve observar ao fixar os honorários sucumbenciais. São eles:
- O grau de zelo do profissional;
- O lugar de prestação do serviço;
- A natureza e a importância da causa;
- O trabalho realizado pelo advogado;
- E o tempo exigido para o seu serviço.
A fixação de um valor aviltante ocorre quando o julgador ignora ou minimiza esses critérios objetivos, estabelecendo uma quantia que não remunera de forma justa o esforço e a responsabilidade técnica do profissional.
Agravo de instrumento: honorários advocatícios aviltantes
O agravo de instrumento é o recurso cabível contra decisões interlocutórias, ou seja, aquelas proferidas no curso do processo que não encerram a fase de conhecimento ou o processo de execução.
A fixação de honorários pode ocorrer em diversas dessas decisões, e o advogado deve estar atento para identificar a oportunidade de impugnação imediata.
Situações comuns que ensejam a interposição de agravo de instrumento incluem decisões que julgam antecipadamente parte do mérito, que excluem um litisconsorte do polo passivo, ou que resolvem incidentes processuais com condenação em honorários.
Nesses casos, a verba é fixada de forma pontual, antes da sentença final. Se o valor for considerado aviltante, o recurso deve ser imediato.
O fundamento para o cabimento do agravo está no Art. 1.015 do CPC. Embora o rol de hipóteses seja, em regra, taxativo, o STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 988, firmou a tese da “taxatividade mitigada”.
Essa tese admite a interposição do recurso contra decisões interlocutórias que não estão expressas no rol, desde que se verifique a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
Na petição do agravo, a argumentação deve ser objetiva e técnica. O advogado precisa demonstrar, de forma clara, o descompasso entre o valor arbitrado e os critérios estabelecidos no artigo 85, parágrafo 2º, do CPC:
Art. 85, § 2º. “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”.
Esses quatro incisos são os principais argumentos que o advogado deve utilizar em um recurso para demonstrar que a verba fixada foi aviltante e precisa ser majorada.
Além disso, é necessário detalhar o trabalho realizado, como as peças produzidas; a complexidade das teses jurídicas defendidas; a necessidade de produção de provas; a realização de audiências; e o tempo despendido na causa.
A finalidade é fornecer ao tribunal elementos concretos para reavaliar a decisão e fixar um valor condizente com o serviço prestado.
Apelação contra fixação de honorários aviltantes
A apelação é o recurso mais comum para questionar honorários sucumbenciais fixados de maneira irrisória. Isso ocorre porque a principal condenação em honorários se dá na sentença, decisão que põe fim à fase de conhecimento do processo.
Quando o advogado entende que o valor arbitrado na sentença avilta seu trabalho, ele possui legitimidade e interesse para recorrer da decisão nesse ponto específico.
O Estatuto da Advocacia garante que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado, conferindo-lhe o direito de recorrer em nome próprio para pleitear a majoração, mesmo que a parte que representa não tenha interesse em recorrer do mérito da causa.
O recurso de apelação deve conter um capítulo específico e bem fundamentado sobre a questão dos honorários.
Nele, o recorrente deve atacar diretamente os fundamentos utilizados pelo juiz de primeiro grau para a fixação da verba, ou a ausência deles.
A argumentação deve, também, se pautar nos critérios objetivos do Art. 85, parágrafo 2º, do CPC.
Além disso, assim como no agravo de instrumento, é útil apresentar uma cronologia do trabalho desenvolvido no processo, destacando os momentos de maior complexidade e exigência técnica.
A demonstração do valor econômico da causa, da responsabilidade assumida e dos resultados obtidos para o cliente (mesmo em caso de improcedência, se a defesa foi robusta) são fatores que fortalecem o pedido de majoração.
O STJ também possui posicionamento consolidado sobre a impossibilidade de fixação de honorários por equidade fora das hipóteses estritas no CPC (causas de valor inestimável, irrisório ou muito baixo).
No julgamento do Tema Repetitivo 1.076, a Corte Especial definiu que os honorários devem ser fixados com base nos percentuais do Art. 85 do CPC, mesmo em causas de valor elevado.
Essa tese é um instrumento poderoso para combater o aviltamento em ações de grande expressão econômica, onde juízes por vezes reduzem os percentuais legais com base em juízos de equidade não autorizados.
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