No Brasil, a pandemia antecipou em pelo menos cinco anos a transição do Direito, mais precisamente das práticas jurídicas, tanto em escritórios de advocacia quanto no sistema judiciário, para o ambiente digital.
As audiências por videoconferência, antes uma exceção, hoje integram o cotidiano do Poder Judiciário. O que tem exigido capacidade de adaptação dos advogados (e clientes também… por que não?) a este ambiente digital e legislação pertinente à prática.
Por isso, este artigo se propõe a oferecer um roteiro prático a respeito das audiências online, com informações que podem ajudar advogados ainda não iniciados e também clientes que precisam enfrentar essa situação.
Como é uma audiência online
Uma audiência online é nada mais do que um ato processual formal realizado por meio de um sistema de videoconferência.
Nela, juiz, partes, advogados, testemunhas e membros do Ministério Público participam, a partir de locais distintos, conectados pela internet.
Apesar disso, a solenidade é a mesma de um ato presencial, permanecendo a formalidade, o respeito e a liturgia previstas ao Judiciário em todo tipo de audiência.
O acesso ocorre por um link enviado previamente pelo cartório ou secretaria da vara e, ao ingressar, os participantes são direcionados para uma sala de espera virtual.
O servidor responsável pela audiência faz a admissão na sala principal e, em geral, realiza a verificação de identidade dos presentes com a exibição de um documento com foto.
A partir daí, o magistrado conduz os trabalhos explicando as regras da sessão, como a ordem dos depoimentos e a forma de se manifestar.
Para falar, o advogado ou a parte deve solicitar a palavra, muitas vezes por meio de um recurso de “levantar a mão” no próprio aplicativo.
Como já vimos, apesar de uma audiência online, deve ser mantida a formalidade equivalente a uma audiência presencial. E assim, alguns pontos devem ser observados, como:
- Vestimenta: roupas discretas e apropriadas para um ambiente forense.
- Postura: sentar-se de forma ereta, olhar para a câmera ao falar e evitar movimentos que causem distração.
- Tratamento: utilizar os pronomes de tratamento corretos, como “Vossa Excelência” para o juiz.
- Ambiente: escolher um local silencioso, bem iluminado e com fundo neutro.
Importante destacar que todo o ato é gravado e o arquivo de vídeo e áudio passa a integrar os autos do processo. Essa gravação serve como registro oficial de tudo o que foi dito e ocorrido durante a sessão.
Quanto tempo dura uma audiência online
A duração de uma audiência online é variável. Não existe um tempo fixo, pois ele depende da natureza e da complexidade do ato.
Enquanto uma audiência de conciliação ou mediação, cujo objetivo é a busca de um acordo, pode ser breve (muitas se resolvem em 15 a 30 minutos), uma audiência de instrução e julgamento tende a ser mais longa.
Isso porque nela ocorre a oitiva das partes e das testemunhas, além da produção de provas.
A duração, portanto, é influenciada por fatores como o número de testemunhas a serem ouvidas, a complexidade dos fatos e a necessidade de debates entre os advogados.
Além disso, as audiências online possuem um fator não presente nas audiências presenciais: problemas técnicos capazes de impactar o tempo.
Uma conexão de internet instável de um dos participantes, falhas no áudio ou no vídeo, podem causar interrupções e atrasos.
Assim, o juiz pode suspender a sessão por alguns minutos para que o problema seja resolvido. E em casos extremos, a audiência pode ser redesignada.
Por isso, é importante que o advogado prepare o cliente para a possibilidade da audiência durar mais que o esperado ou até mesmo ser remarcada.
É prudente que tanto o advogado quanto o cliente reservem um período de tempo maior que o previsto, como um turno inteiro (manhã ou tarde), para a audiência.
Desafios de audiência online
Como vimos ao longo do artigo, o formato remoto apresenta desafios específicos que exigem atenção redobrada do advogado.
O principal deles é a tecnologia: a qualidade da conexão com a internet é o ponto mais crítico, já que uma falha pode impedir que o cliente ouça uma pergunta importante ou que sua resposta seja compreendida.
A solução é testar tudo com antecedência: a velocidade da internet, o funcionamento da câmera e do microfone.
Hoje, muitos advogados acostumados a audiências online realizam chamadas de teste com seus clientes dias, ou até horas antes para se precaver.
O ambiente doméstico é outro ponto de atenção, já que interrupções são comuns, como familiares que entram no cômodo, animais de estimação, campainhas ou telefones que tocam.
Daí a importância de orientar o cliente a escolher um local privado e comunicar aos demais moradores da casa que não pode ser interrompido.
Outro desafio é o fato da comunicação não verbal ser limitada. Na tela, é mais difícil para o juiz e para os advogados perceberem as sutilezas da linguagem corporal, que podem ser importantes na avaliação da credibilidade de um depoimento.
A orientação ao cliente deve ser para que ele olhe diretamente para a câmera, fale de forma pausada e clara, e evite gestos excessivos que possam ser mal interpretados.
A garantia da incomunicabilidade das testemunhas é outro desafio. Em uma audiência presencial, as testemunhas aguardam fora da sala de audiências.
Já no ambiente virtual, existe o risco de uma testemunha ser instruída por terceiros fora do campo de visão da câmera.
Para mitigar esse risco, muitos juízes solicitam que a testemunha mostre todo o ambiente com a câmera do celular ou do computador antes de iniciar o depoimento, para provar que está sozinha no local.
Por fim, o maior desafio talvez seja a percepção de seriedade por parte do cliente. Por estar em um ambiente familiar, ele pode não compreender a solenidade do ato.
Cabe ao advogado reforçar que a audiência online tem o mesmo peso e as mesmas consequências de uma audiência presencial. A preparação psicológica é tão importante quanto a preparação técnica.
Pedido de audiência online
A realização de audiências por videoconferência é regida por normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em especial a Resolução Nº 354/2020.
A regra geral permite a realização de atos processuais por meio virtual. Contudo, a decisão sobre o formato (presencial, telepresencial ou híbrido) costuma ser do juízo.
O advogado pode, no entanto, requerer que a audiência ocorra de forma online. O pedido deve ser feito por meio de uma petição nos autos, com antecedência razoável da data marcada.
Contudo, é preciso apresentar uma justificativa plausível. Dentre os motivos mais comuns que fundamentam o pedido estão:
- A parte ou testemunha reside em comarca diversa daquela onde tramita o processo.
- Condições de saúde que dificultam ou impedem o deslocamento.
- Redução de custos com transporte e hospedagem, em conformidade com o princípio da eficiência e do acesso à Justiça.
Outro ponto relevante é a adesão ao “Juízo 100% Digital”, previsto na Resolução Nº 345/2020 do CNJ.
Ele permite que todos os atos do processo, incluindo audiências e sessões de julgamento, ocorram exclusivamente por meio eletrônico.
A escolha pelo “Juízo 100% Digital” é uma faculdade das partes. Caso o autor opte por essa modalidade na petição inicial, o réu será citado para apresentar sua resposta e também manifestar sua opção.
Se ambas as partes concordarem, o processo tramitará integralmente no formato digital.
Por outro lado, as partes podem se opor à realização da audiência telepresencial. O advogado pode peticionar e justificar a necessidade do ato presencial, caso entenda que o formato remoto pode causar prejuízo à defesa.
A decisão final, porém, cabe ao magistrado, que analisará o caso concreto. O domínio sobre essas regras e procedimentos capacita o advogado a escolher a melhor estratégia para cada processo.
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