Absolvição sumária: quando cabe e como fundamentar o pedido

Entenda quando cabe a absolvição sumária no processo penal, quais os requisitos legais e como fundamentar o pedido de forma estratégica

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No universo do Direito Penal, poucas ferramentas são tão voltadas à celeridade dos processos quanto a absolvição sumária. 

Ela permite que o advogado encerre uma ação penal de forma prematura, quando há uma clara e evidente ausência de justa causa. O que poupa o cliente do desgaste de um processo criminal.

Mas além disso, e talvez mais importante ainda, a absolvição sumária reafirma a função do processo como um filtro contra acusações infundadas capazes de sobrecarregar o sistema judiciário.

Neste artigo, vamos explorar o conceito; as bases legais; as diferenças cruciais; e também as causas que podem levar a uma absolvição sumária. Confira:

O que é absolvição sumária

Absolvição sumária é uma decisão judicial de mérito que julga improcedente a pretensão punitiva do Estado. 

Mas o que diferencia a absolvição sumária das demais é o momento processual em que ela ocorre: logo após a apresentação da resposta à acusação, antes do início da fase de instrução.

Ou seja, trata-se de um julgamento antecipado da lide penal. O juiz, ao analisar a denúncia ou queixa, e a defesa escrita do réu, constata a presença de uma das situações previstas em lei que tornam o prosseguimento da ação penal inútil ou injusto.

No caso de títulos comuns ordinários, a base legal está no Artigo 397 do Código de Processo Penal (CPP): 

Art. 397. “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;

II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;

III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou

IV – extinta a punibilidade do agente.”

Já no caso dos crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, a previsão está no Artigo 415:

Art. 415. “O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.”

Embora os dispositivos sejam distintos, a lógica central é a mesma: impedir que um cidadão seja submetido aos constrangimentos de um processo quando sua inocência é manifesta ou a acusação é juridicamente inviável desde o início.

Hipóteses de absolvição sumária

Como vimos nos artigos 397 e 415 do CPP, a lei processual penal define cenários específicos que autorizam a absolvição imediata do réu. 

A primeira possibilidade ocorre quando a conduta do acusado, embora típica, foi praticada sob uma causa que exclui a ilicitude. 

É o caso da legítima defesa; do estado de necessidade; do estrito cumprimento de dever legal; ou do exercício regular de direito. 

Outra hipótese é a comprovação de uma causa que exclui a culpabilidade do agente, não podendo ser reprovado por sua conduta. 

Entre os principais exemplos estão a coação moral irresistível; a obediência a uma ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico; ou o erro de proibição inevitável. 

Já a  inimputabilidade por doença mental segue um rito próprio e pode resultar em uma medida de segurança.

A absolvição sumária também é cabível quando o fato narrado na denúncia não constitui crime. O que pode ocorrer de duas formas: atipicidade formal e atipicidade material.

Atipicidade formal ocorre quando a descrição dos fatos feita pela acusação não se enquadra em nenhum tipo penal. 

Já a atipicidade material é fundamentada no princípio da insignificância, em que a lesão ao bem jurídico é tão pequena que não justifica a mobilização do Direito Penal.

Por fim, a absolvição sumária se impõe quando há a extinção da punibilidade. Ou seja, quando o Estado perde o direito de punir. 

As causas mais comuns são a prescrição; a morte do agente; a anistia; a graça; o indulto; ou uma nova lei que deixa de considerar o fato como crime (abolitio criminis).

Mas nos crimes julgados pelo tribunal do júri, as possibilidades são ainda mais específicas.

Além das hipóteses já mencionadas, o juiz pode absolver sumariamente quando há prova cabal da inexistência do fato ou prova de que o acusado não foi o autor ou partícipe do crime. 

Trata-se de casos em que a certeza sobre a inocência é tão elevada que se torna desnecessário submeter o caso aos jurados.

Diferença entre absolvição e absolvição sumária

A distinção entre a absolvição sumária e a absolvição ao final do processo reside em dois pilares: o momento processual e o padrão probatório exigido.

Momento Processual

Como já vimos, a absolvição sumária ocorre em uma fase preliminar, após a resposta à acusação. Ela evita toda a instrução processual, como a oitiva de testemunhas, o interrogatório do réu e a produção de outras provas em juízo.

A absolvição comum, por sua vez, é proferida na sentença, ao final da instrução. Ela é o resultado da análise de todo o conjunto probatório produzido ao longo do processo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Padrão Probatório

Para a absolvição sumária, a prova da inocência ou da inviabilidade da acusação deve ser manifesta, evidente e inequívoca. 

A lei utiliza termos como “existência manifesta” e “evidentemente não constitui crime”. Isso significa que não pode haver dúvida razoável. 

Se a comprovação da tese defensiva depender de provas a serem produzidas na instrução, o juiz deve dar prosseguimento ao feito. O princípio que rege esta fase, para parte da doutrina, é o in dubio pro societate.

Já a absolvição ao final do processo se baseia no princípio in dubio pro reo. Ou seja, após a produção de todas as provas, o réu deve ser absolvido caso o juiz não tenha certeza sobre a autoria ou a materialidade.

Causas de absolvição sumária

Como já vimos, a absolvição sumária está ligada aos “requisitos” apontados no Art. 397 do CPP:

Excludente de ilicitude

A ilicitude se configura pela contrariedade de uma conduta típica com o ordenamento jurídico. 

O pedido de absolvição sumária aqui se baseia na prova clara de que o réu agiu amparado por uma das causas de exclusão de ilicitude, previstas no artigo 23 do Código Penal. São elas: 

  • Estado de necessidade: a prova deve demonstrar, sem margem para debate, que o agente sacrificou um bem jurídico para salvar outro de perigo atual e inevitável.
  • Legítima defesa: documentos, vídeos ou depoimentos incontroversos da fase policial devem atestar que o réu usou meios necessários e moderados para repelir agressão injusta, atual ou iminente.
  • Estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito: a defesa deve mostrar que a conduta do agente foi uma consequência direta de uma obrigação legal ou do exercício de um direito previsto em lei.

Excludente de culpabilidade 

A culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre o autor de um fato típico e ilícito. A absolvição sumária é cabível quando a prova documental ou pré-constituída demonstra de forma inequívoca uma causa que exclui a culpabilidade, como:

  • Coação moral irresistível: a prova deve ser robusta ao indicar que o agente não tinha outra opção senão cometer o delito, sob grave ameaça.
  • Obediência hierárquica: necessário comprovar a existência de uma relação hierárquica de direito público e que a ordem do superior não era manifestamente ilegal.
  • Erro de proibição inevitável: situação em que o agente não tinha como saber que sua conduta era proibida. A prova da total falta de consciência da ilicitude deve ser cristalina.

Atipicidade da conduta

Esta hipótese ocorre quando “o fato narrado evidentemente não constitui crime”. Trata-se de análise técnica e que se desdobra em duas vertentes:

  • Atipicidade formal: a conduta descrita na denúncia simplesmente não se encaixa na descrição de nenhum tipo penal. A narrativa da acusação falha em apresentar todos os elementos de um crime.
  • Atipicidade material: a conduta, embora se amolde formalmente a um tipo penal, não possui relevância para justificar a intervenção do Direito Penal. É o campo do princípio da insignificância (ou bagatela) em que a defesa deve demonstrar que a lesão ao bem jurídico foi mínima, com base nos vetores definidos pelo Supremo Tribunal Federal. 

Extinção da punibilidade

A punibilidade é o direito do Estado de aplicar a sanção pena e se esse direito se extingue, o processo perde seu objeto. As causas mais comuns de extinção para fins de absolvição sumária são:

  • Prescrição: o cálculo do prazo prescricional, seja da pretensão punitiva ou executória, é uma operação matemática baseada nas datas dos fatos, no recebimento da denúncia e nas penas em abstrato ou em concreto. 
  • Morte do agente: comprova-se com a certidão de óbito.
  • Abolitio criminis: uma nova lei deixa de considerar a conduta como crime. A simples juntada da nova legislação resolve a questão.
  • Decadência ou perempção: em crimes de ação penal privada, a perda do prazo para a queixa-crime ou o abandono do processo pelo querelante extinguem a punibilidade.

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