De acordo com o Colégio Notarial do Brasil (CNB), a busca por atos sucessórios atingiu picos históricos, a partir de 2021, no país.
Os dados apontam um aumento superior a 40% na realização de inventários extrajudiciais em comparação a anos anteriores.
Porém, mesmo com esse crescimento na formalização de partilhas, a sucessão legítima rege a grande maioria das transferências de patrimônio no país.
Essa dinâmica afasta as sucessões do cenário observado sob o Código de 1916. Sobretudo após o Supremo Tribunal Federal equiparar os direitos sucessórios de cônjuges e companheiros. Ou seja, de matrimônios e uniões estáveis.
E são essas pequenas mudanças que tornaram o domínio das regras de vocação hereditária uma exigência na solução de litígios familiares e patrimoniais. E é isso que vamos abordar no artigo de hoje.
O que é sucessão legítima
A sucessão legítima, ou ab intestato, é aquela que se dá por força de lei.
Ocorre quando o autor da herança falece sem deixar testamento; quando o testamento existente caduca ou é julgado nulo; ou ainda quando o ato de última vontade não abrange a totalidade dos bens.
Com isso, o legislador presume a vontade do falecido e estabelece uma ordem preferencial de beneficiários, baseada na proximidade do vínculo familiar.
O Código Civil é responsável por estipular a ordem de vocação hereditária:
Art. 1.829. “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Em suma, a ordem se inicia com os descendentes, em concorrência com o cônjuge, independente de ser por casamento ou união estável, sobrevivente, a depender do regime de bens adotado no casamento.
A regra geral impõe a concorrência no regime da comunhão parcial, mas apenas sobre os bens particulares deixados pelo falecido.
Porém, não haverá concorrência se o regime for o da comunhão universal ou o da separação obrigatória, tampouco na comunhão parcial se o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Na falta de descendentes, a lei chama os ascendentes (pais, avós), também em concorrência com o cônjuge.
Diferente da regra aplicada aos descendentes, a concorrência com ascendentes ocorre independentemente do regime de bens.
O cônjuge sobrevivente garante, no mínimo, um terço da herança se concorrer com ascendente em primeiro grau, ou a metade se houver apenas um ascendente vivo ou se a concorrência se der com avós ou bisavós.
Quando não há descendentes ou ascendentes, a herança transmite-se por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.
E caso não haja integrantes das classes anteriores, a sucessão legítima se dá aos colaterais até o quarto grau.
A prioridade recai sobre os irmãos mas, na falta destes, herdam os sobrinhos. Inexistindo sobrinhos, o patrimônio vai aos tios e, em último caso, aos primos, tios-avós e sobrinhos-netos.
Diferença entre sucessão legítima e testamentária
A principal distinção entre sucessão legítima e sucessão testamentária está na fonte do direito sucessório.
Enquanto a sucessão legítima decorre de determinação legal imperativa, a sucessão testamentária tem origem em um ato de vontade do autor da herança.
Porém, os dois institutos coexistem e se complementam. Ou seja, a existência de um testamento não afasta, por si só, a aplicação das regras da sucessão legítima.
Como já vimos, a liberdade de testamento é limitada pela existência dos herdeiros necessários: descendentes, ascendentes e cônjuge.
A lei reserva a esses sucessores a metade dos bens da herança, denominada “legítima”. O que significa que o testador dispõe livremente apenas da outra metade, chamada de “parte disponível”.
Caso o testamento exceda esse limite, ocorrerá a redução das disposições testamentárias até que se preserve a intangibilidade da parte legítima.
Por óbvio, caso não haja herdeiros necessários, o testador tem liberdade plena para dispor de 100% do seu patrimônio a quem desejar, inclusive para pessoas estranhas ao círculo familiar ou pessoas jurídicas.
A sucessão legítima atua, nesse contexto, de forma subsidiária: ela incide sobre os bens não contemplados no testamento ou sobre a totalidade do acervo se o testamento for invalidado.
Outro ponto de divergência está na capacidade para suceder. Na sucessão legítima, a capacidade verifica-se no momento da abertura da sucessão e restringe-se a pessoas físicas já nascidas ou concebidas.
Na via testamentária, a lei permite a indicação de prole eventual de pessoas designadas pelo testador (desde que vivas ao tempo da abertura da sucessão) e a criação de pessoas jurídicas (fundações) com dotação de bens do espólio.
Outra diferença está nos aspectos formais: a sucessão legítima independe de formalidade prévia além da prova do parentesco ou vínculo conjugal.
Já a sucessão testamentária exige o cumprimento de determinados procedimentos para a validade do ato, seja ele público, cerrado ou particular.
O descumprimento de requisitos legais, como a presença de testemunhas ou a leitura em voz alta, pode levar à anulação do testamento, reconduzindo a partilha às regras da sucessão legítima.
Modalidades de exclusão de um herdeiro da sucessão legítima
O direito sucessório prevê alguns mecanismos que tem como objetivo afastar herdeiros que cometem atos reprováveis contra o autor da herança.
As duas figuras jurídicas centrais para esse fim são a indignidade e a deserdação. Embora as duas impliquem na perda do direito de herdar elas possuem naturezas e requisitos operacionais distintos.
A exclusão por indignidade aplica-se a qualquer herdeiro, seja ele legítimo ou testamentário. E as causas de indignidade são:
- Autoria ou participação em homicídio doloso (tentado ou consumado) contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- Acusação caluniosa em juízo contra o falecido ou crime contra sua honra;
- Violência ou fraude para inibir ou obstar o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Para isso, é preciso que uma sentença judicial seja proferida em ação própria. E a legitimidade para propor a ação pertence aos interessados na sucessão ou ao Ministério Público, no caso de homicídio doloso.
O prazo decadencial para o ajuizamento é de quatro anos, contados da abertura da sucessão.
Uma vez declarada a indignidade, os efeitos são pessoais. Isso quer dizer que os descendentes do herdeiro considerado indigno o sucedem como se ele houvesse também falecido, por direito de representação.
A deserdação, por sua vez, é restrita aos herdeiros necessários e depende de manifestação expressa do autor da herança em testamento.
Além das causas previstas para a indignidade, o Código Civil elenca motivos específicos para a deserdação de descendentes por ascendentes e vice-versa:
- Ofensa física;
- Injúria grave;
- Relações ilícitas com a madrasta ou padrasto;
- Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade;
A validade da deserdação exige que o herdeiro beneficiado com a exclusão prove a veracidade da causa alegada pelo testador, também mediante ação judicial posterior à abertura da sucessão.
Há ainda a renúncia, ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro declara, de forma expressa, que não aceita a herança.
Diferente da indignidade e da deserdação, a renúncia é voluntária e deve constar de instrumento público ou termo judicial.
Além disso, o renunciante é tido como se nunca houvesse existido, e sua parte acresce à dos outros herdeiros da mesma classe, ao contrário do que acontece com o herdeiro indigno.
Ou seja, na renúncia, não há direito de representação: os filhos do renunciante não herdam em seu lugar, salvo se ele for o único da classe ou se todos os outros da mesma classe também renunciarem.
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