A prática jurídica que, por séculos foi ancorada em tradição, retórica e interpretação subjetiva da lei, hoje passa por uma transformação impulsionada por dados.
Apesar disso, não se trata de uma novidade: em 1709 o matemático suíço Nicolau I Bernoulli explorou a aplicação de métodos quantitativos em sua tese “De Usu Artis Conjectandi in Jure“.
Hoje, três séculos depois, o estudo evoluiu para um campo capaz de redefinir estratégias legais: a jurimetria.
O termo foi criado na década de 1940 pelo jurista americano Lee Loevinger e representa a aplicação da estatística e da análise de dados ao Direito.
O que com o avanço tecnológico e fomento do Big Data, deixa de fazer parte apenas do imaginário teórico para se tornar uma ferramenta com potencial de aplicação no cotidiano de escritórios e departamentos jurídicos.
Até porque, a abreviação da digitalização do Poder Judiciário, causada pela pandemia, no Brasil, gerou grande volume de dados em um curto espaço de tempo.
O que faz com que hoje, cada processo, decisão, recurso e petição se converta em fonte de dados, e informações que, quando analisadas em larga escala, revelam padrões e tendências.
E a análise desses padrões é o cerne da jurimetria, que busca converter informações legais em números e estatísticas para fundamentar a tomada de decisões.
Esta abordagem quantitativa permite uma análise mais objetiva do cenário jurídico e atua como um complemento, ou até mesmo um arsenal, à experiência e domínio técnico do advogado.
O que é jurimetria
Jurimetria é a disciplina que aplica modelos estatísticos e métodos quantitativos para compreender e analisar fenômenos jurídicos.
Trata-se do uso de dados para medir e descrever o funcionamento do sistema de justiça, permitindo a identificação de padrões em decisões judiciais; o cálculo de probabilidades de sucesso em litígios; e a previsão de tendências de comportamento nos tribunais.
A Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) a define como estatística aplicada ao Direito. Ou seja, um campo que busca dar “concretude” às normas e instituições.
O conceito se apoia em três pilares principais: o primeiro é a elaboração legislativa e a gestão pública, no qual a análise de dados pode auxiliar na criação de leis mais alinhadas à realidade social e na avaliação do impacto de políticas públicas.
O segundo pilar é a decisão judicial, onde a jurimetria pode oferecer aos julgadores uma base de dados para consulta sobre posições dominantes em tribunais superiores, conferindo maior segurança jurídica.
Já o terceiro pilar é a instrução probatória, que representa a aplicação mais direta para advogados, permitindo uma análise preditiva sobre as chances de êxito de uma causa.
A metodologia consiste na coleta de grandes volumes de dados de fontes públicas, como os sistemas dos tribunais.
Essas informações são então processadas e analisadas com o auxílio de softwares e algoritmos de inteligência artificial.
O resultado dessa análise transforma dados brutos em insights estratégicos, como a identificação de teses com maior ou menor chance de aceitação por um determinado juiz ou tribunal; a estimativa de valores de condenação; e o tempo médio de tramitação de tipos específicos de processos.
Exemplos de jurimetria
A aplicação da jurimetria se manifesta em diversas frentes da prática advocatícia, desde a gestão interna de escritórios até a definição de estratégias processuais complexas.
A análise de dados pode ser empregada para otimizar a distribuição de casos, avaliar a produtividade de equipes e até mesmo para precificar honorários com base em estimativas mais realistas sobre a complexidade e duração de uma demanda.
Um dos usos mais comuns é a análise preditiva de resultados: com acesso a um banco de dados de decisões judiciais, um advogado pode verificar a probabilidade de ganho de uma causa.
É possível identificar, por exemplo, quantas vezes uma determinada vara já julgou a mesma matéria ou qual o percentual de decisões favoráveis de um magistrado específico para um determinado tipo de pedido.
Na área trabalhista, por exemplo, ela permite a uma empresa identificar com precisão os principais motivos de reclamações e os riscos reais de ações, resultando numa gestão mais segura e estratégica de seus passivos.
Outra aplicação prática consiste em antecipar o valor de indenizações, especialmente em casos de danos morais.
Isso é possível ao analisar o histórico de decisões de um tribunal ou juiz e estimar uma faixa de valores prováveis para a condenação, informação que pode ser decisiva na hora de orientar o cliente sobre a viabilidade de um acordo.
A jurimetria também auxilia a direcionar as ações durante o processo; ao compreender quais argumentos são mais aceitos por determinados julgadores, o advogado pode personalizar a tese jurídica, aumentando a assertividade da petição.
A análise jurimétrica pode, ainda, ser utilizada para entender o tempo médio de duração de um processo.
Algo relevante para a gestão de expectativas do cliente e para o planejamento financeiro do escritório.
Inteligência artificial e jurimetria
A inteligência artificial (IA) é o verdadeiro catalisador para a jurimetria. Ela foi responsável por ampliar exponencialmente sua capacidade de análise e predição.
Enquanto a jurimetria se concentra na análise estatística de dados para identificar padrões, a IA utiliza algoritmos avançados para classificar, interpretar e fazer previsões com base nesses padrões.
Isso porque ela possui a capacidade de processar volumes de informação que seriam inviáveis para uma análise humana.
A combinação dessas tecnologias tem transformado a gestão jurídica através da automatização de análises complexas e refinamento da precisão das previsões.
Sistemas de IA, em especial os que utilizam aprendizado de máquina (machine learning), são treinados com vastos conjuntos de dados jurídicos, como decisões, petições e legislações.
A partir disso, os algoritmos aprendem a identificar padrões e a realizar tarefas como a classificação automática de documentos; a extração de informações-chave de contratos; e a predição de desfechos processuais.
Ferramentas de análise preditiva podem, por exemplo, antecipar o resultado de um litígio com base em precedentes e no perfil de decisões de um juiz.
A IA também otimiza a pesquisa jurídica: algoritmos de processamento de linguagem natural (PLN) são capazes de analisar documentos complexos, como acórdãos e peças processuais, e extrair as informações mais relevantes em segundos.
Tarefa que pode levar meses se realizada por uma equipe de advogados.
Projetos como o “Victor”, desenvolvido em parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Supremo Tribunal Federal (STF), utilizam IA para ler e analisar processos, agilizando a análise de admissibilidade de recursos.
Isso tudo quer dizer que o futuro da jurimetria está intrinsecamente ligado à evolução da inteligência artificial. E a tendência é que a integração cada vez maior dessas tecnologias, resulte em ferramentas mais sofisticadas e acessíveis aos advogados.
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