Cláusula abusiva em contrato: como identificar e anular

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Quando se fala em cláusula abusiva, logo se pensa em grandes contratos, que envolvem transações de alto valor, como o financiamento de um veículo, por exemplo.

Mas com a digitalização das relações de consumo, pequenos contratos são assinados todos os dias, quando contratamos uma internet, compramos um chip de celular, ou assinamos um serviço de streaming, por exemplo.

E a rapidez dessas transações, aliada ao volume de informações desses documentos, muitas vezes impedem uma análise minuciosa dos termos. 

O que pode fazer com que acordemos com pontos indesejados sem o devido conhecimento. Por isso, identificar e saber como anular cláusulas abusivas é uma das habilidades que um advogado precisa ter para proteger os interesses de seus clientes.

Abusividade de cláusula contratual

A abusividade de uma cláusula contratual ocorre quando um de seus termos estabelece uma desvantagem excessiva para uma das partes, rompendo o equilíbrio contratual. 

Esta desvantagem muitas vezes favorece indevidamente a parte que redigiu o contrato ou que possui maior poder negocial. 

O princípio da autonomia da vontade, fundamental no direito contratual, não é absoluto. Ele encontra limites na boa-fé objetiva, na função social do contrato e, sobretudo, na proibição de abusos de direito.

A identificação da abusividade não é uma tarefa mecânica: ela demanda uma análise contextual do contrato, considerando a natureza da relação jurídica, o objetivo das partes ao contratar e as práticas de mercado. 

Uma cláusula pode não ser abusiva em um determinado tipo de contrato, mas se mostrar flagrantemente desproporcional em outro. O Código Civil brasileiro, em seus artigos 421 e 422, estabelece a necessidade de observância da função social do contrato e da boa-fé.

Art. 421. “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Art. 422. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

As cláusulas abusivas nas relações de consumo

As relações de consumo são um terreno fértil para a proliferação de cláusulas abusivas, dada a vulnerabilidade do consumidor. 

A Lei Nº 8.078/90, chamada de Código de Defesa do Consumidor (CDC), é o principal instrumento legal para coibir tais práticas. 

Ele parte do pressuposto de que o consumidor é a parte mais fraca na relação contratual, necessitando de proteção especial.

O Art. 51 do CDC elenca uma série de cláusulas consideradas nulas de pleno direito, ou seja, sem efeito legal desde sua origem. Entre elas, estão as cláusulas que:

  • Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços.
  • Impliquem renúncia ou disposição de direitos pelo consumidor.
  • Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
  • Permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variar o preço de maneira unilateral.
  • Autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor.

O objetivo é restaurar relações de consumo, impedindo que o fornecedor imponha condições que prejudiquem excessivamente o consumidor.

Exemplos de cláusula abusiva

Para ilustrar a variedade de situações, alguns exemplos prático-teóricos de cláusulas abusivas incluem:

Cláusulas de fidelidade excessiva: em contratos de serviços de telecomunicações, por exemplo, cláusulas que impõem multas desproporcionais por rescisão antecipada, com períodos de fidelidade muito longos, podem ser consideradas abusivas.

Limitação de responsabilidade: em contratos de prestação de serviços, termos que isentam completamente a empresa de qualquer responsabilidade por falhas na execução, mesmo em casos de negligência, são inválidos.

Alteração unilateral do contrato: cláusulas que permitem ao fornecedor alterar unilateralmente preços, condições de serviço ou termos contratuais sem prévia comunicação ou sem a possibilidade de rescisão por parte do consumidor.

Cotas de consórcio ou financiamento: em contratos de consórcio ou financiamento, a cobrança de taxas ocultas, juros abusivos ou a previsão de multas por atraso que superem os limites legais.

Exclusão de garantia legal: cláusulas que tentam suprimir a garantia legal de produtos duráveis (90 dias) ou não duráveis (30 dias) prevista no CDC.

Débito automático não autorizado: a inserção de cláusulas que permitem o débito automático em conta corrente sem autorização expressa e clara do consumidor.

Cláusulas de eleição de foro desproporcional: em contratos de adesão (aqueles cujas cláusulas foram estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discuti-las), a imposição de um foro distante e de difícil acesso para dirimir eventuais conflitos é considerado abusivo. 

Retenção integral ou abusiva de valores em caso de rescisão: em contratos de compra e venda de imóveis na planta ou de multipropriedade, a cláusula que prevê a retenção de um percentual excessivamente alto dos valores pagos pelo comprador em caso de rescisão por sua iniciativa, sem que o vendedor comprove os efetivos prejuízos que justifiquem tal retenção. A jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a retenção deve ser razoável para cobrir despesas administrativas, mas não pode se tornar um enriquecimento sem causa para a construtora ou incorporadora.

Ação revisional de cláusula contratual abusiva

Quando uma cláusula abusiva é identificada, o caminho jurídico para sua anulação passa por uma ação revisional de contrato. 

Ela busca modificar os termos do contrato que se mostram desequilibrados, ou mesmo anular integralmente as cláusulas consideradas ilegais.

O procedimento para a ação revisional segue as regras do Código de Processo Civil e o advogado deve reunir as provas da abusividade, como cópias do contrato, extratos, comprovantes de pagamento e, se necessário, pareceres técnicos. 

A petição inicial deve fundamentar claramente a abusividade das cláusulas, demonstrando a desvantagem excessiva para o cliente e a violação de princípios legais.

Em alguns casos, é possível pleitear uma tutela de urgência para suspender os efeitos da cláusula abusiva antes mesmo do julgamento final da ação. Isso ocorre quando há risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o contratante prejudicado.

Tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), frequentemente se manifestam sobre o tema, estabelecendo precedentes que orientam as decisões em instâncias inferiores.

Os setores apontados como campeões, não só em abusividade, mas em reclamações, pelos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, são o bancário, seguido das telecomunicações e seguros. 

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